Estávamos os três, Lola, Manolo e eu, em uma terraza da Calle de Huertas de Madrid, mas precisamente no "La plateria bar museo", bem perto do Museu do Prado, como não citar isto também. Manolo dizia que a señora camarera era vasca, que era educada, que sabia alemão. Lola retrucava que seria impossível ele afirmar isto pois a señora apenas havia trocado uma ou duas frases conosco, como poderia ele saber quem era ela, de onde vinha? Eu me divertia com a conversa rápida e contei o que estava lendo naquela época mesmo, a história dos personagens Deza e Tupra do "Tu rostro mañana" do também madrileño (como eles) Javier Marías. Manolo parecia estar emulando a habilidade que os dois personagens tinham de interpretar rapidamente seus interlocutores. Falei de minha admiração por Marías, mas Lola me advertiu que ele escrevia bons livros, mas se comportava como uma "pessoa mayor". Na hora não entendi bem. Agora que comecei a ler seus ensaios e crônicas (li três livros, este é o primeiro que resenho) acho que entendi um tanto melhor. Neste "Pasiones pasadas" estão reunidas 31 crônicas publicadas em jornal entre os anos 1982 e 1990 (um terço deles neste último ano). São crônicas publicadas antes de seu primeiro grande sucesso de público e crítica (Corazón tan blanco, de 1992). Não é preciso ler muitas das crônicas para perceber que Marías é um anarquista (mas que soa conservador), um elitista (bem à sua maneira), politicamente incorreto quase sempre, zeloso e orgulhoso de sua individualidade. O desprezo que ele tem à memória de Franco e do franquismo é algo que pode levar o leitor ligeiro a incluí-lo ao campo dos intelectuais de esquerda, mas ele me parece muito honesto intelectualmente e esgrime seus argumentos sobre os mais variados temas atingindo, seguro que sim, sujeitos à esquerda e à direita do espectro político, sem piedade e sem temor. A edição que li tem um excelente prólogo de Elide Pittarello, as procedências de todas as crônicas e duas notas do próprio autor, a original de 1991 e uma outra de 1999, quando as recompilou. Nesta última nota ele reflete sobre as venturas pelas quais os textos passaram desde a primeira publicação. As crônicas são apresentadas por temas: lugares e viagens, pessoas e amigos, a sociedade e as transformações pelas quais passava a España, a literatura e a arte de escrever. O livro termina com um texto inédito em livro, apresentado originalmente na forma de conferência em uma universidade, onde ele descreve como foi sua inserção no mundo literário e como era o processo de manter-se nele mantendo alguma qualidade, originalidade e honestidade. Gostei do livro. Seguro que haverá mais do que falar sobre Marías nas próximas resenhas de seus livros de crônicas. Quando poderei convidar Lola e Manolo novamente para discutir Marías, perguntar para a señora camarera se ela sabe mesmo alemão, bebericar bons vinhos, tapear pela estival Madrid? [início 19/10/2009 - fim 23/10/2009]
"Pasiones Pasadas", Javier Marías, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2008, brochura 13x19, 216 págs. ISBN: 978-987-566-379-4
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