sexta-feira, 5 de março de 2010

jesus

Talvez não seja exatamente o talento mas sim a consciência de uma voz própria aquilo que diferencia um artesão, mesmo que bastante capaz, porém ordinário, de um verdadeiro artista, aquele que se sabe inovador. Pensei nisto quando li este pequeno livro de quadrinhos baseado na vida de Jesus, o filho de José e Maria, publicado por Rafael Koff, um jovem publicitário radicado em Porto Alegre. A edição do livro é discreta. Não há ISBN, nome da editora, ano da edição ou referência adicional ao autor além de seu nome. Soube depois de ler o livro que Rafael já publicara suas tiras regularmente em uma espécie de blog ilustrado e já havia granjeado uma fiel legião de admiradores (bem como alguns aborrecimentos com detratores anônimos). A história do Jesus histórico e bíblico pode ser encontrada em toda a parte e está incorporada à psique da maioria das pessoas do mundo ocidental, mesmo aquelas que não professem religião alguma, ou que sejam adeptas de algo diferente do cristianismo. O que Rafael faz com suas tirinhas é dar uma dimensão humorística e visual bastante forte e uniforme a seu personagem. Esta uniformidade conceitual no traço e no enredo das histórias acompanha os passos do jovem Jesus até sua versão de Jesus redivido (vingativo), passando pelas encarnações sucessivas de adolescente, homem maduro e pregador. O traço de Rafael é muito bom e não ficamos inertes às propostas que ele faz para a origem da inveja de Judas, quando ilustra a indiferença da deidade pai de Jesus ou ainda quando apresenta os acertos e desacertos de um Jesus que produz milagres na época em que ainda não controlava seus poderes divinos. São tirinhas de humor que não são das mais ofensivas que já li produzidas a partir deste poderoso personagem, mas certamente figuram entre as mais originais. Elas demonstram como o humor pode revelar facetas das estratégias mentais dos doutrinadores cristãos e como o humor pode provocar nos leitores algum estranhamento, algum vislumbre de falha no castelo mítico do cristianismo. Seguro que Rafael não é tão pretensioso como esta frase minha sugere, mas acredito mesmo que livros como este são ferramentas fundamentais para libertar - de alguma forma - os crentes (de qualquer religião, de qualquer lugar e tempo). Ulalá. Rafael há de entender que curiosamente há uma ironia adicional, uma ironia auto-imune, nisto tudo. [início 01/01/2010 - fim 04/03/2010]
"Jesus", Rafael Koff, editora Manuzio, 1a. edição (2009), brochura 21x7,5 cm, 96 págs., sem ISBN

2 comentários:

Eduardo Lenz de Macedo disse...

Gostei dos traços, o cara tem talento!!

Aguinaldo Medici Severino disse...

concordo, mas mais que talento, acho que ele tem uma voz própria, ou seja, a capacidade de encontrar por si só alguma coisa nova neste assunto tão batido.