No primeiro dia do ano resolvi ler um poema forte, algo que marcasse as horas iniciais daquele dia vagabundo, silencioso, que parecia demorar mais para realmente começar, pois a maioria das gentes ainda dormia profundamente, recuperando-se dos festejos da noite. Calhei de escolher "A balada do velho marinheiro", poema romântico de Samuel Coleridge. Conhecia o poema por uma tradução do Paulo Vizioli, mas lembro-me que só realmente entendi a história por conta das interpretações do Harold Bloom e da Camilie Paglia. Já esta edição da Ateliê, cuja tradução é assinada por Alípio Correia de Franca Neto, é muito boa. Além do texto original e da tradução a edição inclui uma apresentação do professor Alfredo Bosi, sempre objetivo em suas considerações; uma detalhada cronologia da vida e da obra de Coleridge; ilustrações belíssimas de Gustave Doré e um ensaio longo de Franca Neto sobre os desafios da tradução de Coleridge. Ah!, a edição inclui também o "Kubla Khan", o mítico poema de Coleridge que foi imaginado em sonho e interrompido por um sujeito desastrado (mas esta é outra história). "The rime of the ancient mariner" foi publicado originalmente em 1798 e é considerado o poema inaugural do romantismo inglês. Nele acompanhamos alegoricamente a queda e a redenção dos homens. Um velho marinheiro se aproxima de um rapaz que se dirigia a um casamento e conta a ela sua desgraça: durante uma longa viagem pelo mar seu barco é desviado para o gélido atlântico sul; um albatroz parece guiar o barco para fora desta inóspita região, mas o marinheiro, inadvertidamente, mata o pássaro; a tripulação do barco culpa o marinheiro por sua má fortuna e amarra o albatroz morto em seu pescoço; um navio fantasma se aproxima e a alma de todos a bordo é disputada por dois espíritos: a morte e a vida-em-morte (death and life-in-death); a primeira ganha toda a tripulação e a segunda ganha a vida do marinheiro, que daí em diante terá uma vida pior que qualquer morte - punição por ter morto o albatroz; a morte leva os membros da tripulação e o barco afunda em um redemoinho (mas as almas dos marinheiros parecem ser levadas ao céu por bons espíritos; o marinheiro não afunda com o barco e é resgatado por um eremita e seu filho; novamente em terra o marinheiro cumpre seu destino: vagar pelo mundo, contando repetidas vezes sua funesta história. Cada vez que um sujeito lê um texto deste tipo encontra algo novo, possibilidades de interpretação novas, faz alusões, cria imagens, enfim, aprende algo que não havia entendido antes. "A balada do velho marinheiro" não é um conto de fadas, um conto gótico, mas sim um poema rico, poderoso, que leva o leitor a pensar. Não é isto o que sempre esperamos de um bom livro? [início 01/01/2011 - fim 02/01/2011]
"A balada do velho marinheiro", Samuel Taylor Coleridge, tradução de Alípio Correia de Franca Neto, ilustrações de Gustave Doré, Cotia - SP: Ateliê Editorial, 1a. edição (2005), capa-dura 20x27 cm, 240 págs. ISBN: 85-7480-273-5 [edição original: The rime of the ancient mariner (Lyricall Ballds), 1798]
3 comentários:
Gostei muito do seu comentário e fico muito agradecido por você dividir suas impressões sobre o livro. Seu entusiasmo me faz querer ler também.
Desculpe a ousadia, mas gostaria de fazer uma pequena crítica. Acho ruim quando você conta a história do livro e tive que pular essa parte do seu texto para não comprometer a leitura do poema. Vou ter que voltar depois e ler de novo, pois não quero perder nada do seu comentário. Obrigado.
olá.
grato pelo comentário.
e o freguês sempre tem razão...
tentarei evitar "spoilers" deste tipo.
até uma próxima.
aguinaldo
Olá Aguinaldo! Belo post!
Eu tenho duas versões desse poema, mas todas em inglês. Uma publicada pela Dover em um formato maior, com as ilustrações do Gustave Doré, e outra lançada em 1910 pela Little Leather Library, bem surrada pelo tempo. Já vi a publicação em português pela Disal mas não confiei em comprar. Essa edição que você leu é bem completa, e bem cara também, mas acho que vale o investimento.
Adorei o seu post, não me senti "ofendida" por ter contado um pouco do poema porque já havia lido várias vezes, é um dos meus poemas favoritos.
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