O
povo das artes organizou uma virada cultural na Casa de Cultura de
Santa Maria. Acho que foi Rebeca Stumm quem os reuniu. Era mesmo um mar
de gentes, uma miríade de colaboradores). Por mais de vinte e quatro
horas cada um ocupou e interferiu na Casa (e também na praça Saldanha
Marinho e em vários outros lugares da cidade). Cada um desenvolveu uma
idéia, se expressou de um jeito, inventou algo para fazer. Doña Helga e
doña Tânia decidiram organizar um ciclo de "leitura para pessoas
vendadas", uma forma de chamar a atenção das atividades da Associação de
Cegos que funciona regularmente na Casa. Resolvi aderir ao projeto e me
escalei para ler um tanto. Na atividade o público era levado (vendado,
claro) para um corredor às escuras. Uma luminária permitia que um
voluntário lesse algo para os cegos temporários, para os vendados.
Vários alunos da Helga participaram, levaram seus livros. Havia Eduardo
Galeano e Charles Bukowski, Caio Fernando Abreu e
Clarice Lispector, Shakespeare e Isaac Singer. Levei esse "Um cartão de
Paris", livro de crônicas de Rubem Braga. Passei o sábado relendo o
livro, escolhendo as histórias que planejava ler. Escolhi esse livro
porque havia lembrado do Antônio Carlos durante a semana. Ele morreu num
agosto, o do ano passado, e era um entusiasta das coisas do Rubem
Braga. Gostava particularmente do "Viver sem Mariana é impossível" (acho
que uma de suas filhas se chama Mariana exatamente por conta disto). Eu
retrucava que "A mulher que ia navegar" era mais definitivo. Ele falava
do "Homem ao mar", eu de "As luvas". Havia muito prazer e
companheirismo nessas conversas, que gravitavam música, literatura e
mulheres, gastronomia, viagens e futebol. Nesse "Um cartão de Paris"
encontramos 35 crônicas, selecionadas por Domício Proença Filho. Elas
foram publicadas no Estado de São Paulo entre 1988 e 1990, ano em
que morreu. São crônicas muito tocantes, com uma vitalidade que não
está na ação, no movimento, mas na potência, naquilo que apresenta e
conta ao leitor, quase num sussurro. Apesar do lirismo Rubem Braga não
deixa a melancolia contaminar seu texto, ou melhor, deixa, mas não nos
aborrecemos com a sinceridade, a ironia, os truques do velho bruxo. São
histórias cheias de vida. Lemos cada uma delas em cinco minutos, mas
elas nos enredam e permanecem conosco por tanto tempo, como um perfume
que se fixa e carregamos sem nos dar conta. O livro inclui uma
introdução muito boa de Domício Proença Filho, além de uma lista dos
livros publicado por Braga. Li algumas das histórias para o público que
participou do evento. Depois ouvi várias outras (vendado, claro). É uma
experiência curiosa. Mas a tarde era do Rubem Braga e do Antônio Carlos.
Sai da Casa de Cultura, caminhei sem pressa para casa, ainda com o
velho Braga e o velho Nenê me assombrando. [início - fim 26/08/2011]
"Um cartão de Paris", Rubem Braga, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (1997), brochura 14x21 cm, 139 págs. ISBN: 85-01-04853-4
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