Estimulado por don Fernando Landgraf e terminado o bom livro de ensaios "Guerra aérea e literatura" resolvi experimentar um dos romances de Sebald que tinha à mão. Escolhi começar por "Os anéis de Saturno", que tem o subtítulo "uma peregrinação inglesa", publicado em 1995. É um livro curioso, que enfeixa um conjunto grande de histórias, boa parte bizarras, irrelevantes, desconexas. São como anotações depositadas em uma caixa e esquecidas, notas de reflexão sobre temas variados, que Sebald rearranja literariamente e apresenta através de sutis paralelos e ligações. O que transparece ao final, como parte da tessitura do livro, perene e absoluta, são a selvageria, cobiça e vocação para a destuição que acompanham todos os atos humanos. Sebald usa procedimentos analíticos das ciências naturais para ordenar e classificar o que reuniu. Claro, ele não tem a pretensão de abarcar todas as ações humanas, seu livro funciona com um catálogo do que ele vê na parte mais oriental da Inglaterra (East Anglia, os condados de Norfolk e Suffolk), durante as longas caminhadas que faz pela região. Sebald não tem nada de simbolista, claro, mas há em "Os anéis de Saturno" muito do decadentismo que encontramos no "Às avessas", de Huysmans. É como se Sebald atualizasse, um pouco mais de um século depois, a terrível visão descrita por Huysmans. O homo sapiens sapiens pouco evoluiu, continua o mesmo animal condenado à decadência e destruição. O narrador de Sebald (que pode ser ele mesmo, ou um alter ego, ou um personagem, nada é trivial em um romance) convalece em um hospital da região. Ao visitar praias frias e desertas, hotéis e pousadas decadentes, castelos e mansões destruídos, envolvidos por vegetação, corrompidos por matéria orgânica, assim como ao conversar com as pessoas que encontra nesses lugares, ele lentamente constrói um mosaico de reflexões e digressões. Sebald inclui dezenas de fotografias em seu livro. Elas ilustram o que se lê, mas não há referência explìcita a elas no texto. Como há muito no livro daquilo que encontramos mais frequentemente na construção acadêmica de artigos, a fragmentação do texto pelas figuras até se justifica, mas eu acho que Javier Marías usa esse artificío com mais eficiência. Sobre Sebald don Hugo Crema escreveu: "tenho recalcitrâncias com Sebald, me soa o tipo de contemporâneo (tipo Roth e Auster) que autores de 20 anos lêem". Boa colocação a dele. Um sujeito que lê autores deste tipo, displicentemente, pode ser levado a usar das mesmas hibridizações, intertextualidades e fragmentações (e pior, de considerar-se um escritor genial e inovador, ao tentar emulá-los). Mas acredito que é a cultura enciclopédica de um autor como Sebald que garante algum valor a suas reflexões e ao resultado final. A ver. [início 23/09/2011 - fim
26/09/2011]
"Os anéis de Saturno", W.G. Sebald,
tradução de José Marcos Macedo, São Paulo: editora Companhia das Letras,
1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 292 págs. ISBN: 978-85-359-1723-9 [edição
original: Die Ringe des Saturn. Eine englishe Walfahrt (Frankfurt am Main: Eichborn Verlag), 1995]
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