Os nove contos deste pequeno livro são como episódios de uma festa das luzes particular, festa que Cíntia Moscovich fez por bem dividir com seus leitores. Um leitor calmo leria cada um deles a cada noite, como num Chanucá, mas açodados como hoje somos todos, não o conseguimos, e certamente lemos os contos enfileirados (talvez uma solução seja voltar a eles com calma a cada dia e repetir o deleite). O título, Essa coisa brilhante que é a chuva, ilumina os nove contos, como um Shamash, mas não nomina nenhum deles, uma ideia interessante. Também não há um índice no livro para nos guiar até cada um dos contos, como se Cíntia preferisse que seguíssemos simplesmente a ordem em que ela os colocou. Gatos adoram peixe, mas odeiam molhar as patas trata das tribulações de um cinquentão, as voltas com sua mãe, sua oficina e seu gato; Mare nostrum fala da emoção contida de uma menina, que vê o mar pela primeira vez, com os pais; Caminho torto para uma linha reta conta do apego de um casal a um cachorro enjeitado, de como é o instinto que funciona nas coisas do amor; A balada de Avigdor é uma espécie de conto de fadas moderno, no qual duas crianças trocam o papel que seus pais imaginaram para elas; O brilho de todas as estrelas canta o luto de um sujeito que vai visitar o túmulo da mulher, acompanhado de seu cachorro e seu cavalo; Um coração de mãe é o mais sombrio, ao falar da solidão, de como a vida é mesmo um sopro, da angústia de tentar postergar a morte; Aos sessenta e quatro faz um contraponto com o anterior, mostrando que alguma sorte torna possível contornarmos as adversidades, que nem tudo é fixo e definitivo; Tempo de voo fala da impotência de um sujeito em cadeira de rodas ao presenciar um acidente; Uma forma de herança narra a longa e complicada reforma de uma casa, como se Cíntia quisesse fazer uma espécie tributo às tradições, à memória de uma família e de um tipo de vizinhança, coisas e valores que descartamos facilmente hoje em dia. São contos de uma falsa leveza, que parecem apenas entreter, mas levam o leitor a pensar naquilo que há de mais fundamental na vida (aquilo que há de importante para cada um de nós). Apesar do risco inerente, não há espaço para sentimentalismos bestas nas histórias dela, antes um bom humor entranhado, mesmo nos assuntos que merecem solenidade. Sabe-se lá porque nunca havia lido nada dela antes, mas foi divertido encontrar esse livro em particular e participar desta festa iluminada por Cíntia Moscovich.
[início 03/11/2012 - fim 04/11/2012]
"Essa coisa brilhante que é a chuva", Cíntia Moscovich, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2012) brochura 14x21cm, 140 pág. ISBN: 978-85-01-40127-4
"Essa coisa brilhante que é a chuva", Cíntia Moscovich, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2012) brochura 14x21cm, 140 pág. ISBN: 978-85-01-40127-4
2 comentários:
Tenho uma certa indisposição para com a cintia mas se der vou ler essa coletânea para ver se muda minha má impressão da literatura dela. Mas comprei o mesmo mar, do amós oz, que vc comentou aqui, estou apenas começando mas achando uma maravilha, merci, e um abraço, clara
Obrigada pela resposta lá naquela casa vazia :)) Eu li outro livro dela , Por que sou gorda, mamãe, e comentei na ocasião aqui:
http://linhadepesca.blogspot.com.br/2007/09/sobre-por-que-sou-gorda-mame.html
Reli o comentário e parece que a leitura desses contos é mesmo necessária para eu situar melhor a literatura dela. Vou conferir. Abraço, Clara
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