Nesse pequeno livro acompanhamos as últimas palavras de um grande polemista, de um sujeito que nunca teve medo de defender suas idéias. Dele já havia lido o seminal "Deus não é grande", um impressionante ensaio onde ele defende as vantagens da inteligência e do secularismo, em contraposição ao obscurantismo, a fé religiosa e o medo. Hitchens descreve como descobriu por acaso que estava com câncer já em estágio avançado, justamente no dia em que seu livro de memórias alcançava o primeiro lugar em uma lista de livros mais vendidos nos Estados Unidos (a vida sabe proporcionar ironias deste tipo). Sabendo que os ateus jamais devem oferecer consolo ele não pede solidariedade nem palavras de incentivo. Estóico que era, ele apenas pede que o leitor acompanhe suas digressões, como num rito de despedida. Se um leitor ficar com dúvidas se deve ou não ler o livro não deve experimentar o primeiro parágrafo, incrívelmente sedutor: "Mais de uma vez em minha vida acordei com a sensação de estar morto. Mas nada me preparou para o começo da manhã de junho em que recobrei a consciência sentindo-me como que acorrentado a meu próprio cadáver." Depois de um início como esse é impossível largar o livro, por mais que as detalhadas descrições de quimioterapias, radioterapias e outros procedimentos médicos sejam devastadoras. De qualquer forma trata-se de um livro curto, como curtos foram os dias que se seguiram a descoberta de seu câncer, já que pouco mais de um ano e meio o separaram da morte. Carismático, vibrante, hiper-ativo, Hitchens viveu uma vida plena, e como ateu determinado, soube escolher seus embates, direcionar sua inteligência e língua afiada, esgrimir sua lógica e argumentos demolidores até o final. Para ele o que deve-se evitar com fúria é imergir no "reino da ilusão", acreditar nos programas que incentivam a "idiotice das metáforas que comparam os tratamentos como batalhas contra o câncer que sejam possíveis de serem vencidas". Os auto-enganos sempre custam caro.
[início: 27/01/2013 - fim: 29/01/2013]
"Últimas palavras", Christopher Hitchens, tradução de Alexandre Martins, Rio de Janeiro: editora Globo, 1a. edição (2012), brochura 14x21 cm, 91 págs., ISBN: 978-85-250-5274-2 [edição original: Mortality (New York: Twelve Books / Hachete Book Group) 2012]
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