domingo, 10 de julho de 2016

o homem do terno de vidro

Do Cláudio já li os bons causos e narrativas curtas reunidos em "Um arado rasgando a carne" e "O uniforme", fração pequena dentre talvez os quarenta livros que ele já publicou (ele, que também trabalha com edição de livros, não tem medo de distribuir gratuitamente versões em pdf dos seus: veja a lista aqui). "O homem do terno de vidro" ele chama de rimance. Trata-se de um experimento, de um relato que tem a fluidez da poesia com as divisões de uma peça teatral, as transições lentas e suaves de um álbum musical, assim como a estrutura de um hipertexto, repleto de grafismos, tipologias, ilustrações e vinhetas que cobram e desviam a atenção do leitor. O livro brota de um poema do Carlos Drummond de Andrade ("E agora, José?") que, cindido, apresenta e encerra três livros curtos (as tais quase-novelas do subtítulo). Esses três livros tratam da covardia, da teimosia e de um terninho de vidro, que eu entendo como autoilusão, autoengano. O narrador sempre é o mesmo, está num ônibus que trafega entre Juiz de Fora e Belo Horizonte, amarga alguma desilusão, reflete sobre seu passado e futuro. No primeiro ele parece hiper consciente de sua condição, com ironia e erudição, mas sem medo, sem temor. No segundo livro o sujeito parece falar com seu eu psicanalista e faz um balanço de suas escolhas, suas decisões. No terceiro ele se percebe no ônibus, se espanta com os demais passageiros como alguém faria ao saber-se na infernal barca de Caronte, sabe que está nu como o rei da fábula, mas ainda protegido por um terno de vidro, pensa na vida e em seu talento desperdiçado. Num anexo, uma espécie de coda, já fora do ônibus, aquele narrador-poeta percorre os últimos trechos de seu labirinto mental declamando um poema. É o tipo de livro que honestamente provoca o leitor. Muito interessante. 
[início: 01/06/2016 - fim: 22/06/2016]
"O homem do terno de vidro: rimance (três quase-novelas ou um quase-romance)", Cláudio B. Carlos (CC), São Paulo: Clube de Autores, 1a. edição (2013), 15x20,5 cm., 112 págs., sem ISBN

Um comentário:

Cláudio B. Carlos disse...

Aguinaldo!
Nem sei o que dizer. Você é sempre tão generoso. Grande abraço, e obrigado – hoje e sempre.