Quando viajo sempre procuro ler algo de um escritor local. Se na minha última andança por Fortaleza encontrei o Weaver e o bom catálogo de sua exposição, durante minha passagem recente por Teresina foi-me sugerido esse "Terra do fogo". Edmar Oliveira é um piauiense radicado no Rio de Janeiro, atua na área de Psiquiatria. Recentemente ele decidiu produzir um romance histórico com elementos de sua memória afetiva, uma autoficção com fragmentos de suas lembranças da região onde nasceu e das histórias que ouviu quando jovem. Acrescentou a essa decisão um bom tempo de pesquisa e o resultado é um livro compacto, bem escrito e que se defende bem sozinho, mas que também fica devendo algo em invenção, preso a cronologia e fatos da política piauiense e brasileira dos anos da ditadura Vargas. O narrador conta a história de uma mulher que sucessivamente encarna alguns dos papéis que a machista e misógina sociedade brasileira costumava (e costuma) reservar a todas de seu gênero: a que engravida por acaso de um sujeito que não é de sua classe social; a que é forçada a se casar por interesse familiar com outro, bem mais velho e já viúvo; a que posteriormente se enamora de um terceiro que é estrangeiro, sedutor e encantador, mas que ela só descobre desprezar quando o abandona; e a que se encanta com um professor comunista salvo por ela de uma prisão do Estado Novo e que lhe oferece um amor perene e calmo. O Brasil letárgico e controlado por coronéis subservientes ao ditador Getúlio se transforma no final dos anos 1930 e acaba sendo forçado a se alinhar aos norte-americanos, nos anos 1940. Os desdobramentos destas transformações deixam marcas nos indivíduos, destrói vidas e destinos. O leitor encontra descrições dos terríveis incêndios provocados nas casas da gente pobre da periferia de Teresina pelos donos do poder interessados ou numa oportunidade imobiliária ou no controle político dos demais cidadãos, mas o livro tem lá suas passagens líricas e também registros interessantes sobre as classes sociais e a cultura regional daquela época. O livro faz bom uso de uma alegoria, na qual o
entendimento acertado de uma história se assemelha ao processo
psicanalítico de autoconhecimento, de descoberta de nós mesmos. E a solução que o autor encontrou para resolver o grande impasse do livro lembra o final do Casablanca (filme do Michael Curtiz, de 1942), só que com sinais trocados. Solução que funciona e é divertida. Vale.
[início: 25/05/2016 - fim: 12/06/2016]
"Terra do fogo", Edmar Oliveira, Rio de Janeiro: Vieira e Lent Casa editorial, 1a. edição (2013), brochura 14x21 cm., 176 págs., ISBN: 978-85- 8160-023-9
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