Não se sabe quando exatamente Hieronymus Bosch nasceu (por volta de 1450 é o que se aceita), mas sabe-se que morreu há 500 anos, num 9 de agosto, como hoje. Diz-se que ele nunca saiu de 's-Hertogenbosch, sua cidade natal. Mesmo para quem não associa nome e obra seus quadros e gravuras são bastante conhecidos. Quem os vê um dia guarda sempre forte impressão. Foi o que aconteceu com Cees Nooteboom em 1954 quando esteve pela primeira vez em Madrid e visitou o Museu do Prado. O jovem Nooteboom continuava ali sua errância pelo mundo, desta vez para o mundo das artes plásticas em seus esforços por entender o enigma da luz. Num livro de ensaios que já registrei aqui,
Nooteboom não se reconhece exatamente um crítico de artes, mas sabe descrever com muita
objetividade e precisão a experiência única, súbita e completa, ao
mesmo tempo racional e espiritual, que é recepção e percepção de uma
proposta artística. Todo aquele que já tenha visitado o Prado sabe que não se pode eleger dali um único quadro como o melhor, o mais importante, o que inspira mais assombro e admiração. Pois lá o jovem Nooteboom viu Goya e Velázquez, El greco e Zúrbaran, Caravaggio e Botticelli, Tintoretto e Rafael, Picasso e Dali. E viu, claro, aqueles fantásticos e apocalípticos trípticos de Bosch. Sessenta anos depois ele volta com um objetivo ambicioso, começar ali uma série de viagens a museus para celebrar os 500 anos da morte de Bosch, definido por ele como o mais misterioso dos pintores. No Prado ele reencontra "A adoração dos magos", "O jardim das delícias" e "O carro de feno" e no Palácio Real de Madrid ele revê "Cristo carregando a cruz". Mas há, claro, quadros fundamentais de Bosch fora da Espanha. Ele vai até Lisboa (Portugal), no Museu Nacional de Arte Antiga, onde está "As tentações de santo Antônio"; a Ghent (Bélgica), no Museum voor Schone Kunsten, onde revisita "São Jerônimo em oração"; a Rotterdam (Holanda), no Museum Boijmans van Beuningen, onde reencontra "São Cristovão carregando o menino Jesus". Os ensaios são curtos, mas sempre seminais. Há lirismo e poesia em suas descrições. Sua capacidade de associações é sempre muito poderosa. Seus olhos capturam as imagens daquele seu conterrâneo habilidoso e genial, mas seu intelecto sabe que está numa Europa em crise, que novamente parece assombrada, como se mais uma vez (como no 1500 de Bosch) fosse inevitável a possibilidade de um Apocalipse. A edição é muito bem cuidada. A designer (Regine Kaiser) optou por uma solução muito boa: Dada a impossibilidade de poder oferecer num livro a mesma experiência que obtemos quando estamos próximos aos quadros, o livro inclui dezenas de detalhes deles. O leitor acompanha texto e imagens simultaneamente. Quem não tem a vocação para viajar para tantos lugares diferentes como Nooteboom pode aproveitar até 11 de setembro para ir a Madrid e ver a maior exposição de quadros de Bosch já reunida ou fazer apenas uma visita virtual à exposição, muito boa mesmo. Vale a pena conferir. Pois se Bosch está morto, longa vida a Bosch!
[início: 01/08/2016 - 05/08/2016]
"El Bosco: Un oscuro presentimiento", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal, Madrid: Ediciones Siruela (coleccíon El ojo del tiempo #90), 1a. edição (2016), capa-dura 21x24 cm., 80 págs., ISBN: 978-84-16638-68-0 [edições originais (simultâneas): Een duister voorgevoel: Reizen naar Jheronimus Bosch (Amsterdam: De Bezige Bij) 2016 e Reisen zu Hieronymus Bosch. Eine düstere Vorahnung (München/Deutshland: Schirmel/Mosel Verlag) 2016]
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