Esse pequeno livro assinado por Claudio Ferlauto é muito especial. Trata-se de um registro da aventura que foi editar um jornal alternativo em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no início dos anos 1970 (como se trata de um registro sobretudo gráfico, vou marca-lo como "livro de arte"). "Pato macho" foi comercializado em bancas durante um curto período, de 14 de abril a 21 de julho de 1971. Suas quinze edições, em formato tablóide, chegaram a ter uma tiragem de 5.000 exemplares, com os mesmos anunciantes típicos da mídia tradicional da época. Quem tiver interesse sobre a história do jornal pode consultar os textos longos da Aline Strelow (acadêmica especialista no assunto, que já defendeu uma dissertação sobre o tema) ou acessar o conteúdo de todas as edições, que foram digitalizadas e depositadas no acervo do NUPECC (Núcleo de Pesquisa em Ciências da Comunicação da PUCRS). A história é curiosa. Durante o período militar centenas de jornais alternativos, com ou sem apelo humorístico, foram editados no Brasil ("O Pasquim" é de longe o mais conhecido deles), mas o grupo de jornalistas, arquitetos, fotógrafos, artistas plásticos e publicitários que editaram o "Pato macho" talvez tivessem como principal alvo apenas discutir o provincianismo de Porto Alegre, sua paralisia cultural e jogar Simandol, um jogo que vinha encartado no jornal e ensinava os caminhos para sair da cidade. Claro, um ou outro dos depoimentos incluídos neste livro salienta o papel do jornal frente a
situação política do país, os desdobramentos terríveis da ditadura
militar e os problemas que o jornal teve a partir do terceiro número, com
a censura prévia de suas edições. Todavia o que Claudio Ferlauto oferece é uma espécie de instalação, um happening visual e literário, uma galeria de bolso na qual o leitor acessa uma miríade de informações sobre o jornal do qual foi um dos editores e idealizadores. Há depoimentos de mais de uma dezena de antigos colaboradores, reproduções do expediente e das capas das 15 edições do jornal, de entrevistas, cartuns, anúncios, cartazes, layouts de convites, material audiovisual de divulgação e de artigos de outros jornais onde a existência do "Pato macho" repercutiu. Sua abordagem enfatiza o interesse dos não jornalistas do grupo em aspectos semióticos, da teoria da informação, que poderiam (e foram) utilizados na produção do jornal. Ferlauto fala também das influências gráficas do jornal, de seus cartunistas, da ironia que alicerçava o time de colaboradores e inclui um bom conjunto de referências (além de uma divertida seção que ele chama de ficções e esquisitices da web, onde desnuda aquele povo que adora associar seus nomes a alguma glória passada ou falar sobre o que desconhece quase completamente). Parabéns ao Ferlauto, que não vejo há trinta anos, desde o fim daquelas minhas visitas rápidas à Itararé para roubar um café e prosa com a Sibele e o Gilson. Vale.
[início: 05/08/2016 - 16/08/2016]
[início: 05/08/2016 - 16/08/2016]
"Pato macho #16: Quinze semanas que abalaram a Província", Claudio Ferlauto, São Paulo: editora Rosari / Cachorro louco, 1a. edição (2016), brochura 13,5x17,5 cm., 124 págs., ISBN: 978-85-8050-035-6
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