No início do ano passado fui a Salvador, reencontrei o David e a Graça, caminhei pelo Rio Vermelho e conheci "Cine Privê", livro de contos do irmão mais velho do David, o Antonio Carlos Viana. (Digo mais velho mas não estou certo, pois o David parece ter feito um pacto com o diabo, sempre aparenta remoçar ao invés de envelhecer). Realmente fiquei impressionado com os contos do Antonio Viana. O sujeito domina a técnica como poucos e tem uma imaginação dos diabos. "Jeito de matar lagartas" é seu livro de contos mais recente. São vinte e sete histórias, quase todas muito boas. Viana fala das alegrias e da errância da juventude; da ruína da velhice; canta os amores velhos, que se acabam num sopro; fala do tédio que alicerça certas convivências amorosas; apresenta mulheres sós, mas que têm suficiente autoestima e enfrentam a vida sem medo, sem submissão; faz seus personagens habitarem um mundo não exatamente antigo, mas também não corrompido pelos excessos do contemporâneo. Ele nunca se trai (nunca trai seu projeto melhor dizendo), nunca apela a hipocrisia, ou tem compaixão pelo destino de seus personagens. Permanece sempre distante, como um observador discreto que apenas registra o quê vê, ou o cientista que disseca algo meticulosamente. Com duas ou três frases Viana já constrói personalidades complexas, personagens que um mau artífice talvez gastasse muitos parágrafos para descrever. Em seu mundo a vida é miúda; a sexualidade um fardo; as crianças cruéis; a solidão entranhada; o tempo implacável. Vou sim procurar seus livros mais antigos, garimpar mais contos dele. Vale.
[início: 05/08/2016 - 07/08/2016]
"Jeito de matar lagartas", Antonio Carlos Viana, São Paulo: editora Schwarcz (Companhia das Letras), 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 148 págs., ISBN: 978-85-359-2551-7
Nenhum comentário:
Postar um comentário