Há seis anos li o bom "How fiction works", de James Wood. Fiquei bastante impressionado com a capacidade de síntese do sujeito e com suas ideias sobre crítica literária. Ele é jornalista de formação, inglês, mas radicado há duas décadas nos Estados Unidos. É bastante respeitado - e claro - temido. Nunca fez pós-graduação, mas dá aula em Harvard. É colaborador recorrente de vários jornais e revistas literárias americanas e inglesas. Parte de sua notoriedade vem da forma como entende seu ofício, preferindo destacar o impacto estético, os sentimentos provocados, as epifanias e associações que o leitor infere diretamente das obras literárias, ao invés de utilizar aparatos acadêmicos, analíticos, ou submeter-se a comprometimentos ideológicos (esse tipo de crítica ideologicamente direcionada é muito comum, sobretudo em um país marginal, como o Brasil). Para ele a boa crítica é uma "redescrição apaixonada", o bom crítico alguém que lê os livros com o entusiasmo de quem os escreveu. Em "A coisa mais próxima da vida" estão reunidos quatro ensaios curtos, que originalmente foram proferidos como palestras, passaram pelo filtro da comunicação direta com o público. Três deles são de 2013 (parte das Mandel Lectures da Brandeis University) e uma de 2014 (em um evento do British Museum). O tom é bem pessoal. Wood fala sobretudo sobre os livros que leu e releu, que o ajudaram a desenvolver sua técnica crítica, mas também fala algo de sua biografia, de seus anos de formação, suas escolhas, sua lenta imersão no mundo dos livros. As três palestras Mandel da Brandeis podem ser acessadas livremente. Vale a pena assisti-las. Em "Por quê?" ele compara a experiência de ler ficção com a experiência de refletir sobre a morte de uma pessoa que conhecíamos bem. A vida inteira daquela pessoa é apenas parte de nossa memória, pois a pessoa não existe mais, parece inventada, assim como um personagem de ficção é apenas um capricho, fruto das escolhas estéticas e humor do autor. Em "Observação séria" Wood fala sobre o controle do tempo e dos detalhes que precisamos aprender a observar para alcançarmos compreender completamente uma história (e que os autores precisam aprender a produzir para tornar suas histórias críveis e interessantes, literariamente válidas). Em "Fazer uso de tudo" ele fala das diferenças entre a crítica literária acadêmica e as críticas práticas (selvagens, diria eu), valoriza o bom uso das metáforas, da elisão necessária tanto na produção artística quanto na crítica. Na última palestra, "Desabrigo secular", Wood fala ao público, inglês, de sua experiência de quase exílio nos Estados Unidos, de como vários bons autores (Sebald, Naipul, Coetzee, Kadaré) alcançaram reproduzir literariamente o estranhamento que é a compreensão de um mundo novo, não aquele confortável onde nascemos e nos criamos. Essa habilidade, a de integrar-se ao novo e sentir saudades do passado, é similar aquela que o leitor tem ao conhecer aos poucos o mundo literário de um livro novo que lê. Interessante. Mas é tempo de mudar de assunto, ir ao Shakespeare, aos portentos que Lawrence Pereira, José Francisco Botelho e José Roberto O'Shea traduziram recentemente.Vale!
Registro #1236 (crônicas e ensaios #219)[início: 25/10/2017 - fim: 30/10/2017]
"A coisa mais próxima da vida", James Wood, tradução de Célia Euvaldo, São Paulo: SESI-SP editora,
1a. edição (2017), brochura 14,5x23 cm., 125 págs., ISBN:
978-85-504-0480-6 [edição original: The nearest thing to life (New England/USA: Brandeis University Press) 2015]
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