quinta-feira, 16 de novembro de 2017

laços

"Laços", de Domenico Starnone, parece brotar daquele aforismo - hoje um belo clichê, convenhamos - de Tolstói no Anna Kariênina: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira". O leitor acompanha alguns episódios da vida de um casal italiano na segunda metade do século XX. Vanda e Aldo, ambos com vinte e poucos anos, casam-se nos inicio dos anos 1960. Após doze anos de casamento e dois filhos, Aldo tem um caso com uma mulher mais jovem e abandona a família. A primeira parte do livro, curta, reúne a série de cartas que por quatro anos Vanda envia a Aldo cobrando dele justificativas ou explicações (ilustrando um outro aforismo, agora do dramaturgo inglês William Congreve: ...nor hell a fury, like a woman scorned, ou seja, "não existe no inferno fúria comparável a de uma mulher desprezada"). Starnone poderia continuar sua história usando o artifício das cartas, mas antes que o leitor se aborreça (e inevitavelmente se aborreceria) ele nos leva a Itália contemporânea, já no início dos anos 2010. Vanda e Aldo são já septuagenários, se preparam para uns dias de férias de verão na praia. Como e porque eles voltaram a viver juntos o leitor só saberá depois de umas cinquenta páginas, muito embora já no final da primeira parte o leitor já imagina que o livro trata do destino desse casal que se separa. Nessa segunda parte acompanhamos a versão retrospectiva de Aldo, agora comentador daqueles fatos relatados nas cartas de Vanda. Todavia alguém já casado há cinquenta anos tem demasiadas camadas de memória para alcançar exatidão e validade nelas (falar sobre si mesmo sempre é inventar memórias e narrativas críveis). O livro é curto demais para que eu possa descrevê-lo mais sem roubar do leitor a descoberta dos mistérios contidos nele. "Laços" é bem escrito, a trama engenhosa e tem lá seu charme, mas nele, ao contrário da vida, tudo parece bem explicado demais, quase justificado, ou, ao menos, os personagens parecem se satisfazer com as explicações detalhadas que imaginam para seus atos. Talvez funcione melhor num palco, numa peça de teatro, onde tudo fica mais velado. Nunca havia lido nada de Starnone. Descobri que ele é bastante respeitado, já publicou mais de vinte romances, escreve roteiros para o cinema e televisão, foi professor, escreve regularmente em jornais italianos. Curioso. Vamos em frente. Vale! 
Registro #1238 (romance #327) 
[início: 31/10/2017 - fim: 01/11/2017]
"Laços", Domenico Starnone, tradução de Maurício Dantas Dias, São Paulo: Editora Todavia, 1a. edição (2017), brochura 14x21 cm, 144 págs. ISBN: 978-84-93828-08-9 [edição original: Lacci (Torino: Giulio Eunaudi Editore / Gruppo Mondadori) 2014]

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