quarta-feira, 22 de novembro de 2017

o fardo da nobreza

Se no volume anterior, "Enquanto eles dormiam", a ausência de crimes em Veneza permitiu ao comissário Guido Brunetti tempo livre o suficiente para fazer uma investigação quase privada, particular, eis que em "O fardo da nobreza" suas planejadas férias de primavera são canceladas quase na véspera da partida, devido a descoberta de um cadáver. A cidade está insuportável, já repleta de turistas; Paola, Chiara e Raffi não cancelam os dias de descanso e viajam para Bolzano, no sopé das Dolomitas; o crime nem é exatamente veneziano, pois o corpo foi encontrado na província de Belluno, longe dali, mas todos os comissários de lá já estão em férias ou impossibilitados de investigar. A trama é intrincada, envolve o colapso da URSS, a ascensão das máfias no leste europeu, a corrupção dos italianos, os hábitos das pessoas muito ricas e poderosas, a geopolítica estranha das universidades, questões de honra. Citações eruditas, sobretudo de Cícero, sobre questões morais e de Sófocles, extraídas de sua "Antígona", são mescladas a reflexões interessantes sobre a sedução da linguagem, sobre os benefícios da polidez e da firmeza, sobre nossos humores e o fato notável de sempre entendermos melhor como opera a psiquê dos outros, antes da nossa. A secretária Elettra tem papel fundamental nesta trama, mostra seus dotes de musa condutora, quase como uma Bond-girl, emprestando sua agilidade mental e redes de contatos a Brunetti. O sogro de Brunetti, Orazio Fallier, mostra-se um sujeito tão culto quanto poderoso, e, para surpresa de Brunetti, feliz de tê-lo como genro. A trama sutilmente remete à mitologia grega, exemplificando como uma nódoa familiar, um crime terrível, necessariamente se transmite geração a geração, implicando em punições e tragédias a todos os descendentes. Donna Leon desnuda um tanto a cumplicidade de algumas aristocráticas famílias venezianas com a perseguição sofrida por judeus italianos durante o período fascista, na primeira metade do século passado. Melhor livro que já li de Donna Leon. Mas sigamos, é tempo. Vale! 
Registro #1240 (romance policial #67)
[início: 14/07/2017 - fim: 02/09/2017]
"O fardo da nobreza (Brunetti #7)", Donna Leon, tradução de Carlos Alberto Bárbaro, São Paulo: Editora Schwarcz (Grupo Companhia das Letras), 1a. edição (2012), brochura 12x18 cm., 249 págs., ISBN: 978-85-359-2056-7 [edição original: A noble radiance (London: Pan Books (Macmillan Publisher) 1998]

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