Esse "Atlas de la España imaginaria" lembra um tanto o "Dicionário de lugares imaginários", do Alberto Manguel, que nunca registrei aqui, mas que sempre consulto quando quero me divertir com as invenções amalucadas que o povo cria e os escritores imortalizam em mito, em lenda. Llamazares fala de sete pequenas cidades espanholas que estão associadas a ditos populares, a frases feitas, a expressões usadas coloquialmente, mas que brotaram de peças de teatro ou livros antigos, histórias do século de ouro espanhol. As versões originais destas sete crônicas foram publicadas originalmente no jornal La Vanguardia, entre 2004 e 2005. Há algo de mítico, de lenda, de fábula nestes lugares. As sete expressões são: "estar en Babia", "entre Pinto y Valdemoro", "la ínsula de Barataria", "las Batuecas", "todos a una como Fuenteovejuna", "Jauja" e "los cerros de Úbeda". Babia é uma cidade do norte espanhol, da região fronteiriça entre León e Astúrias, lugar para onde antigamente reis e nobres se refugiavam para caçar, tornando a expressão "estar en Babia" metáfora de distração, alheamento. O mesmo pode ser dito de "estar perdido em las Batuecas", que fica na região de Salamanca. Neste caso a distração envolvia mais mistérios, perigos, pois tratava-se de uma região bem mais isolada, pobre, onde apenas havia bosques impenetráveis e mosteiros. Pinto e Valdemoro são cidades da comunidade de Madrid separadas por um pequeno riacho. A expressão "estar entre Pinto e Valdemoro" está associada a indecisão, dúvida ou mesmo ao entorpecimento provocado por drogas ou álcool. Quem já leu Don Quijote deve lembrar de Barataria, a ilha do rio Ebro que foi oferecida como reino a Sancho Pança, prêmio por seus serviços prestados a seu senhor. A peregrinação de Llamazares passa também por Jauja, uma cidadezinha da Andaluzia associada a Cocanha, o lugar mítico do medievo europeu dedicado a fartura, a riqueza, a prazeres sem fim. Ir "a los cerros de Úbeda", que é uma região próxima a Jaén, na Andaluzia, significa perder-se num lugar isolado, perder o o fio da meada em uma conversa ou discussão. Por fim Llamazares fala de "Fuenteovejuna", que é uma peça de Lope de Vega onde se discute responsabilidades morais individuais e coletivas, e cuja ação se dá na cidade de Fuente Obejuna, na região de Córdoba, também na Andaluzia. Além das narrativas de Llamazares sobre os sete povoados reais que inspiraram as sete expressões linguísticas, o livro inclui ilustrações, assinadas por Diego de las Heras, e fotografias, de José Manuel Navia. Esses três registros não parecem funcionar muito bem juntos. As fotografias são bonitas e expressivas, mas excessivamente conceituais, dificilmente um neófito da geografia e história daqueles lugares os identificaria com os lugares ou frases. Já as ilustrações lembram aquelas de livros de contos de fada, são ingênuas demais. Paciência. O texto salva o livro, pois Llamazares alcança oferecer ao leitor o resultado de suas conversas com as pessoas das cidadezinhas, revelar algo da passagem do tempo, que provoca metamorfoses na geografia, na memória, na imaginação e na própria linguagem. Vale!
Registro #1358 (crônicas e ensaios #241)
[início 26/11/2018 - fim: 28/11/2018]
"Atlas de la España imaginaria", Julio Llamazares, Madrid: Nordica Livros, 1a. edição (2015), capa-dura 15x21 cm., 120 págs., ISBN: 978-84-16440-27-6
Um comentário:
Caro Aguinaldo, fiz de bicicleta, em setembro/18, o famoso Camino de Santiago e, então, passei por um povoado de pouquinhas casas, como muitos por ali, que se chama Villamayor del Rio. O lugar, dizem, é conhecido como pueblo das três mentiras, visto que não é vila, não é maior, nem tem rio. Abraços.
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