quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

direita e esquerda na literatura

Alfonso Berardinelli é escritor e crítico literário italiano, nasceu em 1943. Houve um tempo em que foi professor universitário, mas abandonou a cátedra há mais de 20 anos. De qualquer forma seus textos não disfarçam a vocação pedagógica, didática, professoral. Não se trata de um ensaísta que relativize suas opiniões. Em todos os textos encontramos afirmações concretas, pontos de vista que permitem diálogo e eventual contestação, mas nunca desdém, nenhum soa vago, incerto, mal fundamentado. A edição não precisa a época em que foram produzidos, mas acredito que eles devem ter sido retirados de "Casi critici: Dal postmoderno alla mutazione", publicado em 2007 pela "Quaderni Quodlibet", todavia pelas informações do índice esse último parece bem mais extenso, de forma que a edição da Âyiné deve ter pinçado dele apenas o primeiro terço dos ensaios. O assunto é literatura, a definição do que é pós-moderno na literatura e a proposta de um novo termo para definir o que se faz atualmente na ficção, que ele grafa como a "era da mutação". Antes de dedicar-se a esses temas ele define aqueles que são identificados ou se auto intitulam intelectuais, chegando até a classificá-los, com verve e ironia, sarcasmo, deboche até. Apesar de seus exemplos gravitarem o mundo da literatura italiana, as reflexões facilmente podem ser adaptadas a qualquer grupo literário, à literatura de qualquer pais. O livro é dividido em oito capítulos curtos, onde ele se debruça a tópicos mais ou menos autônomos. A linha de chegada é a definição do papel dos escritores neste ocaso da pós-modernidade, a inserção deles em novas vanguardas artísticas. Talvez eu esteja limitando muito ao restringir suas idéias apenas ao mundo da literatura. Berardinelli também faz uso de exemplos pertinentes ao mundo do cinema, das artes plásticas, da musica. Mais que tratar da apreciação estética da literatura ou das teorias acadêmicas que se arvoram explicar os mecanismos de construção poética, Berardinelli fala da recepção das obras literárias, do fenômeno cultural que dá aos leitores, aqueles que de fato lêem, alguma presciência sobre aqueles que não lêem. Todavia esse verniz de alta cultura, quando apenas filtrado pela mídia, professores e intelectuais, quase sempre medíocres, nada mais é que uma triste e cúpida ilusão. Somos enfeitiçados como marinheiros pelas sereias no mar. Perdemos nosso tempo e dinheiro. Nos ensaios faz-se digressões sobre literatura e sociedade, história, filosofia. Ele antes faz perguntas, instiga o leitor a pensar sobre uma miriade de fenômenos: o que é um intelectual; em que medida o público de massa dos grandes eventos culturais mudou seu próprio comportamento; se as escolhas destes indivíduos em relação aos livros são de fato autônomas; se existe relação entre a participação ou acesso a estímulos culturais e a capacidade de assimilar as informações propaladas neles; sobre quantos de fato têm tempo e hábito de ler livros. Berardinelli escreve certamente antes da hegemonia das redes sociais na psique humana, mas de alguma forma antecipa tendências e fatos. Cousas como a extraordinária proporção de autores dentre os leitores, a existência de escritores que não lêem, e a própria idéia de que qualquer pessoa pode escrever seu livro (aprendendo técnicas em oficinas literárias) tem algo de vulgar. O número de leitores nunca cresce, jamais cresceu de forma significativa. Esse livro complementa um que li há décadas, o bom "Livros demais", do Gabriel Zaid, que trata dos milhares de livros que são publicados por dia. Ri um bocado das diatribes de Berardinelli dirigidas aos filósofos metafísicos; às patotas de auto-ajuda literárias;  à cumplicidade tola entre editores ambiciosos, jornalistas venais e escritores ruins; a vã esperança que a industria cultural parece ter na literatura; a inutilidade quase criminosa que é o oficio de ensinar e entediar estudantes com literatura. Gostei tanto deste volume que já li um outro livro dele editado no Brasil, mas isso fica para um outro registro. Vale!
Registro #1362 (crônicas e ensaios #243)
[início 28/12/2018 - fim: 04/01/2019]
"Esquerda e direita na literatura", Alfonso Berardinelli,
 tradução de Pedro Fonseca, Belo Horizonte: Editora Âyiné (coleção Biblioteca Antagonista #11), 1a. edição (2016), brochura 10,5x15 cm., 160 págs., ISBN: 978-85-92649-11-1 [edição original: ???]

2 comentários:

Paulo Rafael disse...

Quantos livros são publicados por dia? Se o indivíduo não for um Guina Medici e com extrema dificuldade conseguir ler um livro por semana, vai ler 52 livros por ano, 520 em uma década. E são publicados quantos por dia, 500? mil? e todo mundo quer ser escritor, até quem não lê. Até eu. Sei não, sei não. É se conformar. Ler o que der. E se o paraíso, a eternidade, for uma biblioteca, aí sim. ;)

Aguinaldo Medici Severino disse...

Em maio de 2018 a Google publicou um estudo estimando que sao publicados 2,2 milhões de livros por ano no mundo, algo como 6 mil livros por dia. Não conheço nenhum dado oficial brasileiro. A SNEL e os jornais quando muito divulgam dados que envolvem o total de exemplares vendidos (na casa dos 40 milhões ano). Esse é o numero total de exemplares fisicos em todas as modalidades, nao o numero de edições, ISBN únicos. Acho que as editoras simplesmente jamais dirão quanto editam e quanto vendem. Nem para os autores, muito menos para os leitores. Tem um do facebook que faz listas dos anúncios de pré venda e lancamentos anuais das editoras, o Daniel dago. Ele lançou no final de dezembro uma lista com algo em torno de 750 lançamentos prometidos para 2019. É uma ordem de grandeza, 2 livros por dia no Brasil, um pais miserável de poucos leitores. Talvez os 6000 mundiais da Google estejam inflacionados, talvez os 2 brasileiros do Dago estejam subestimados. Eu, que sou físico, aceito erros, mas nao na ordem de grandeza, no caso 3 ordens de grandeza de diferenca. Difícil dizer. Eu faço como voce. Leio o que posso e sigo o baile. Um dia minha mulher e minha enteada venderão toda minha biblioteca e as memórias do que li se perderam para sempre, com a exceção da virtual sobrevivência digital do que esta aqui no Livros que eu li. Quem viver verá. Abraços.