terça-feira, 4 de junho de 2019

trieste

De Jan Morris já havia lido dois livros bem antigos: os adoráveis "Venice", que é de 1955 e "Spain", que é de 1964.  "Trieste" é bem mais recente, foi publicado originalmente em 2001. Jan Morris fala de Trieste, cidade italiana do nordeste, na costa do Mar Adriático, na fronteira dos Bálcãs. Mas ela também fala de si, de sua longa vida e das metamorfoses pelas quais passou. Quando esteve pela primeira vez em Trieste, em 1946, ela era um homem, um jovem soldado do exército britânico. Em 2001, quando o livro foi publicado, tem 75 anos, já é mulher há mais de quarenta anos. Neste longo intervalo Morris visitou Trieste várias vezes. O livro não é longo, mas contém uma miríade de informações. Aprendi um bocado. Ela fala num tom melancólico (bem diferente do tom que encontramos em seus livros sobre Veneza e Espanha). Trieste era nos tempos romanos uma colônia quase irrelevante, mas atingiu seu apogeu quando tornou-se o porto mais importante do Império Austro-Húngaro, estratégico ponto de conexão com o Mar Mediterrâneo e o extremo Oriente. Na pequena cidade conviviam pessoas de diferentes culturas, línguas, religiões, origens e status social. Em dez curtos capítulos Morris fala da história, geografia, arquitetura da cidade; dos muitos senhores do lugar (romanos, Bizâncio, francos, austríacos, nazistas; e Trieste só voltou a ser italiana em 1954, quase dez anos após o final da segunda grande guerra); fala das montanhas, mar e florestas que a cercam; de sua vocação como ponto de passagem, de lugar de exílio; faz especulações sobre a influência eslava, judaica, cristã e moura na psique dos cidadãos que viviam lá na época em que o livro foi escrito; reflete sobre a não vocação para o turismo, apesar dos muitos bares e cafés, das igrejas e prostíbulos, da presença de importantes laboratórios científicos na cidade, da especial vida mundana, citadina; canta a nostalgia de seus anos de esplendor. Há seções biográficas no livro dedicadas a James Joyce, Italo Svevo, Rainer Rilke, Richard Burton, D.H. Lawrence, Stendhal, Maximiliano (que história a do azarado imperador do México, irmão mais novo do imperador Francisco José) e vários outros sujeitos que viveram ali, "no limite oriental da latinidade, no extremo sul do germanos". No capítulo final ela propõe que Trieste seja nomeada a capital de um país imaginário, onde todo aquele cuja vida já passou por aborrecimentos sem conta, e sente-se apátrida, enfim, todos cidadãos de nenhuma parte do título do livro, possam desfrutá-la em paz, como em uma Citera espiritual. É sim um livro muito especial. Jan Morris me lembra Tirésias, aquele adivinho grego que também foi homem e mulher, e era especialmente sábio. Vale!
Registro #1410 (perfis e memórias #90)
[início:01/05/2019 - fim: 17/05/2019]
"Trieste, o el sentido de ninguna parte", Jan Morris, tradução de Lucía Barahona Lorenzo, Madrid: Gallo Nero ediciones, 1a. edição (2017), brochura 14x19 cm., 224 págs., ISBN: 978-84-1652943-8 [edição original: Trieste and the meaning of nowhere (Faber and Faber) 2001]

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