Entre novembro de 2013 e agosto de 2014 Nick Cave e seus companheiros da The Bad Seeds fizeram uma turnê pela Europa, Canadá e Estados Unidos. Em algum momento, no início de junho de 2016, Cave teve uma epifania ou, talvez melhor dizendo, ele fez uma associação entre a recente visão de uma garota decapitada em um acidente de transito em uma estrada no Tennessee e a lembrança de um rapaz que havia saltado de uma ponte ferroviária, e morrido na queda, uma lembrança dos tempos de sua juventude, quando ele morava na Austrália. A partir daí Cave passa usar os sacos de enjoo que são distribuídos nos aviões para fazer anotações e desenhos, produzir registros fragmentários de seu humor, contar causos, evocar memórias, construir poemas e ideias para canções (ao final do livro conheceremos três delas: "King-sized Nick Cave Blues", "The Beekeeper's wife" e "The Recruitment Officer", ainda não musicadas). O livro reproduz imagens de 22 dos sacos de enjoo, mas o texto do livro é muito maior do que aparece nelas (ele deve ter usado mais de uma centena sacos, a se acreditar que tudo que resta transcrito no livro foi escrito originalmente neles). Não é uma narrativa linear. Como ele mesmo diz, as bolsas de enjoo estão sempre cheias de tudo que ele ama e também odeia ("Eventually everybody took up residence inside me"), ou seja, é uma metáfora antropofágica de seu processo criativo. Encontramos nos sacos pistas de como ele entende seu ofício, seu talento; a exposição de suas mitologias; um elenco de desabafos, espantos do passado e sonhos capturados. Ele fala dos fugidios encontros com fãs, do cotidiano com o povo que dá suporte técnico às turnês e com a banda. Há algo de obsessivo, uma mania por sistematização, repetições, uma máquina de associações contínuas, de um cérebro criativo e sensível. Ele chora em um show de Bryan Ferry e imagina ter sido vampirizado por Bob Dylan certa vez. Conhecemos suas nove musas (cada uma com sua função no palco, velando por cada canção), seus nove anjos, os nove vezes nove tormentos que distraem um artista, os nove dragões metafóricos de sua fé e ofício, da gênese criativa de seu mundo, conhecemos seus muitos colaboradores do passado, as nove pessoas que lhe são caras, merecedoras de sua gratidão. Há temas que se repetem: as pontes; os rios; uma menina negra de saias curtas; a mulher que não atende o telefone, do outro lado do Atlântico; os sonhos lúbricos; os fiapos que ele compulsivamente tenta tirar da jaqueta; a irmandade dos nômades confrades da banda. Vale a pena conferir o texto completo desde livro narrado pelo próprio Nick Cave num podcast depositado no Spotify e acompanhar o website dele (Nick Cave). O sujeito sabe pensar e criar. Bom divertimento. Segue o baile. Vale!
Registro #1544 (perfis e memórias #98)
[início: 02/06/2020 - fim: 04/06/2020]
"La canción de la bolsa para el mareo", Nick Cave, tradução de Mariano Peyrou, Madrid: Sexto Piso España, 1a. edição (2015), capa-dura 14x21 cm, 184 págs. ISBN: 978-84-15601-97-5 [edição original: The Sick Bag Song (Edinburgh: Canongate) 2015]
[início: 02/06/2020 - fim: 04/06/2020]
"La canción de la bolsa para el mareo", Nick Cave, tradução de Mariano Peyrou, Madrid: Sexto Piso España, 1a. edição (2015), capa-dura 14x21 cm, 184 págs. ISBN: 978-84-15601-97-5 [edição original: The Sick Bag Song (Edinburgh: Canongate) 2015]
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