Talvez por ter sido incorporada por Freud ao núcleo central da teoria psicanalítica, a história de Édipo é conhecida mesmo por quem dificilmente lê sobre os mitos gregos. Édipo é o sujeito que mata o pai, Laio, rei de Tebas, casa-se com a mãe, Jocasta, torna-se rei de Tebas, tem filhos com sua mãe e pune a si mesmo vazando seus olhos, quando finalmente descobre o inusitado de sua situação. Vários dramaturgos gregos escreveram peças baseadas neste mito. Sófocles, que viveu no quinto século antes da era cristã, foi um deles. Antígona foi composta em 442 a.C.. Quando tornou-se rei de Tebas, Édipo teve quatro filhos, dois homens (Etéocle e Polinices) e duas mulheres (Ismena e Antígona). Após o exílio do pai (numa das versões do mito), Etéocle e Polinice lutam pelo poder em Tebas e morrem em combate. Creonte, general e principal conselheiro de Tebas, irmão de Jocasta, mãe dos irmãos mortos, assume a regência. A peça começa com Sófocles apresentando uma situação complexa: Creonte decide que à Polinices, que insurgiu-se contra o irmão com ajuda de forças estrangeiras, não se deve dar rituais funerários apropriados; decide também que se alguém desafiar esta resolução estará cometendo um crime contra o estado e deverá ser punido. Como Antígona desobedece esta ordem e enterra o irmão, Creonte decide que ela deverá ser morta. Na interpretação tradicional da peça o que se discute é se os atos de Creonte são justos (já que ele zela pela cidade e suas leis) ou intempestivos (já que com a morte de Antígona e sua irmã ele se alçaria a condição de tirano e regente de fato da cidade). De forma especular o que a peça discute é se Antígona é mesmo duplamente heroína, pois honra o irmão e também defende-se da tirania de Creonte explicitando sua condição de noiva epikler (estatuto jurídico que garante à filha de um rei morto sem descendência o direito e o dever de parir um descendente para seu pai, mantendo a linhagem de reis que a une diretamente à Cadmo, fundador de Tebas). Os desdobramentos dos vários impasses da trama (lei natural versus estatutos legais, obediência civil versus amor fraternal) são sutis demais para que sejam registrados aqui. Cabe ao leitor curioso ir ao texto e descobrir como Sófocles conduz sua tragédia até o desfecho. A tradução de Lawrence Flores Pereira, em dodecassílabos, foi encenada com sucesso nos anos 2004 e 2005, em Porto Alegre. Lawrence segue o procedimento utilizado por Hölderlin, onde as partes do coro (estásimos) e as partes dramáticas (episódios) são formalmente separadas. Nunca vi a peça encenada, mas a leitura do texto é muito agradável. Os versos são poderosos em associações, com um léxico rico e ao mesmo tempo, de compreensão clara. Nada parece rude ou fora do lugar. O livro inclui vários mimos: uma longa introdução e uma seção de notas comentadas, ambas assinadas por Kathrin Rosenfield, hiper especialista no assunto e colaboradora de Lawrence Pereira em vários projetos tradutórios; um seção de comentários do tradutor, onde ele elenca suas escolhas e compromissos ao verter o texto clássico para o português lido e falado; um glossário de termos gregos e uma detalhada bibliografia. Que belo livro. Evoé Lawrence, evoé. Em tempo: Em breve foi registrar aqui um livro da Kathrin (Antígona: Intriga e enigma), onde ela discute a leitura de Hölderlin da peça. Logo veremos.
[início:16/04/2017 - fim: 18/05/2017]
"Antígona", Sófocles, tradução de Lawrence Flores Pereira, Rio de Janeiro: editora Topbooks, 1a. edição (2006), brochura 16x23 cm., 203 págs., ISBN: 978-85-7475-124-3 [edição/encenação original: Atenas, 442 a.C]
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