segunda-feira, 12 de junho de 2017

romancista como vocação

Publicado originalmente em uma revista japonesa, "Romancista como vocação" reúne onze ensaios curtos. Haruki Murakami fala de seu ofício, conta algo de sua vida, inclusive a literária; oferece conselhos para jovens escritores; reflete sobre as alegrias e as dificuldades de sua profissão. Há alguma repetição de argumentos e de passagens de sua vida pessoal, mas nada que aborreça especialmente o leitor. Esse livro pertence a categoria de manuais de ofício. Todo escritor de sucesso já foi convidado a produzir algum. Lembro das versões de Mario Vargas Llosa, Ohran Pamuk e Umberto Eco (cito só essas três, mas há dezenas, para todo gosto e função, inclusive algumas sofríveis em seu cabotinismo ou bisonhice). A leitura é agradável. Murakami é realmente franco em suas observações. Ele defende que é o exercício de observar pessoas e situações que robustece os futuros atos criativos, que é o acúmulo de décadas de leitura que povoa a imaginação do escritor, que são a paciência e a disciplina diária da escrita que gera material digno de ser repetidas vezes burilado antes de tornar-se algo que alguém além do próprio escritor possa ler e opinar. O livro está repleto de ideias e sugestões razoáveis, não particularmente novas ou inventivas, mas honestas em sua descrição. O único argumento que acho difícil de defender, pois me parece específico demais de sua personalidade antes que uma regra que possa ser generalizada, é a prática de exercícios físicos diários para compensar o esforço criativo (ele descreve esse ponto detalhadamente no bom "do que eu falo quando eu falo de corrida". Assim como em sua literatura, Murakami não glamoriza, não usa palavras difíceis para dizer óbvio, não é pedante. Os capítulos iniciais são majoritariamente sobre técnicas e procedimentos literários, os quatro ou cinco finais são mais confessionais, não taxativos (estes me parecem os melhores do conjunto). Ele fala sobre sua relação com prêmios literários, sobre o que ele entende por originalidade, sobre como construir personagens e escolher assuntos, sobre o sistema educacional japonês, sobre o público leitor, sobre a relação com colegas escritores e a crítica, sobre sua necessidade de afastar-se de grupos - e até de seu país - para poder escrever em paz. Em uma época onde muita gente acredita ser fácil e possível escrever e publicar qualquer coisa que lhe venha à mente, um livro deste calibre tem mesmo valor. Mas sabemos, ai de nós, que a vaidade sempre será senhora da razão, impedindo que os escritores se inspirem nas palavras de Murakami (sejam eles neófitos ou já vetustos). Eu mesmo conheço vários beletristas capazes de continuamente publicar lixo apenas pela efêmera glória de lerem seus nomes impressos na capa de um livro. Dá pena, mas não muita pena. 
[início: 08/05/2017 - fim: 11/05/2017]
"Romancista como vocação", Haruki Murakami, tradução de Eunice Suenaga, Rio de Janeiro: Editora Schwarcz (Alfaguara / Grupo Companhia das Letras), 1a. edição (2017), brochura 15x23 cm., 166 págs., ISBN: 978-85-5652-038-8 [edição original: Hokugyo Toshite no Shosetsuka / 職業としての小説家 (Tokyo: Suitchipaburisshingu) 2015]

Nenhum comentário: