quinta-feira, 15 de junho de 2017

vista del amanecer en el tropico

Comprei esse livro com don Miguel, na última feira do livro de Santa Maria. Coloquei o volume em uma pilha de leituras futuras, mas eis que numa noite, folheando besta o mimo recém comprado, noto por uma assinatura e carimbo (não um ex libris) que se tratava de um volume da antiga biblioteca do Roberto Valfredo Bicca Pimental, o velho e bom santa-mariense da gema, o Tatata Pimentel, morto em 2012. A ventura dos livros é algo que nem o mais imaginativo dos escritores saberá prever. Nem mesmo o acaso, o azar, talvez a estocástica, são tão inventivos quanto as narrativas dos destinos dos livros que acabamos descobrindo um dia. Pois este volume talvez seja uns dos que foram vendidos pela família para um sebo porto-alegrense, que foi comprado e descartado por alguém inominado, que chegou às mãos de don Miguel, na Calle Corrientes, e ato contínuo foi adquirido por mim. "You are mine, said he", já disse o cummings. Bueno. "Vista del amanecer en el tropico" reúne 101 pequenos fragmentos (viñetas, diz o autor em algum ponto) que tratam da história factual cubana. Trata-se de uma história em flashes, em episódios curtos, onde as sublevações, as contendas, os mártires, as revoluções se sucedem e se acumulam, como num palimpsesto de desgraças. Os primeiros remetem aos tempos pré colombianos, às lutas entre os indígenas que precederam a chegada dos europeus e africanos à ilha. As últimas podem ser associadas aos comandantes da revolução cubana, do início dos anos 1960. Mas Cabrera Infante nunca cita textualmente os nomes dos artífices da história cubana que ele conta. Antes faz uso de imagens poderosas, sejam de gravuras, desenhos, quadros ou fotografias que descreve com sua prosa sempre irônica e precisa, todos de alguma forma relacionados a personagens ou eventos de uma história de desgraças contínuas: suicídios, mortes violentas, perversões, discursos fúnebres, últimas palavras, sangue, fugas frustradas, fuzilamentos, torturas, mentiras, massacres, tramas cruéis. Um ou outro fragmento oferece uma espécie de descanso, fragmentos onde se fala de um dente cariado, de uma fruta madura que se come, de algo cômico, de um nascer do dia radiante, de um jogo de xadrez, da geografia de certos lugares, de algo fortuito que distrai os combates revolucionários da vez. Há algo nele que ecoa um poema do John Donne. O livro foi publicado originalmente em 1974, quando Cabrera Infante já vivia seu particularmente doloroso exílio (ele amava genuinamente sua Cuba fundamental). De qualquer forma, de lá para cá só se sabe de mais mortes e desgraças naquele país, somente admirado por escravos mentais, lorpas voluntários ou canalhas de ocasião. Mas a grande arte sempre sobrevive aos canalhas, por mais longevos e cruéis que sejam. E viva Guilhermo Cabrera Infante (e viva Tatata Pimentel por ter comprado um dia este livro). Evoé.
[início:19/05/2017 - fim: 25/05/2017]
"Vista del amanecer en el tropico", Guilhermo Cabrera Infante, Madrid: Randon House Mondadori (coleccíon Narrativa), 1a. edição (1987), capa-dura 14x21 cm., 226 págs., ISBN: 978-92-03092-72-2 [edição original: Letras del exilio, 1974]

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