sábado, 16 de dezembro de 2017

barcelonas

Lá em maio, ainda quando lia o bom "Homenagem a Barcelona", de Colm Tóibín, resolvi começar a folhear "Barcelonas", mimo que carrego comigo há décadas. Ato contínuo "I was drowning in honey, stingless", como sempre deve ser. Manuel Vázquez Montalbán escreveu o robusto  texto desse livro, que inclusive inspirou e foi confessadamente utilizado por Tóibín na elaboração do seu, como material de divulgação dos Jogos Olímpicos de Barcelona, que seriam celebrados em 1992. Mas se o que escreve Montalbán é seminal, rico e detalhado, repleto de informações e poesia, são as ilustrações, reproduções fotográficas, desenhos e imagens incluídas no livro que nos enfeitiçam, conduzem nosso olhar, quase nos impedindo acompanhar cada página de leitura até o fim. Talvez esse prodígio seja culpa do desenho gráfico do livro, assinado por Ferràn Cartes, um respeitado artista plástico catalão. Montalbán divide seu livro em seis grandes seções. "Desde as colinas", onde treina o olhar do leitor, fazendo-o acompanhar a geografia da cidade quando vista do alto, do Tibidabo, de Vallvidrera (habitat de Pepe Carvalho, seu personagem icônico), de Montjuïc, e também de suas sete modestas colinas, como as de Roma em número (os catalães são sempre tremendos em suas ambições): Monterols, Putxet, Creueta del Coll, Carmel, Rovira, Peira e Modollell. "Las ciudades sumergidas" percorre o tempo, as camadas de povos e culturas que se fixaram naquela região onde hoje vivem os catalães, importante centro comercial do Mediterrâneo desde tempos remotos. Em "El hombre libre en la ciudade libre" quem se sobressai são os indivíduos, em número anônimos, mas quando são identificados tornam-se na visão de Montalbán quase heróis, fadas, portentos (Montalbán descreve aqui e nas duas seções seguintes os períodos trágicos da cidade, sempre as voltas com um desejo de independência baldado; as fotografias destas três seções são soturnas, pesadas, carregadas de mágoa). A seção seguinte, "La Bem Plantada", conta a arquitetura, a engenharia, a distribuição dos equipamentos urbanos, a vocação da cidade para aceitar planejamentos que a modificam sem que a magia original se perdesse; fala dos bares, teatros e museus, dos desastres que a guerra civil provocou nas ruas, nas esculturas, nos bairros, nas edificações, e nas gentes, claro. "La ciudade ocupada" fala de como corações e mentes catalãs se resignaram nos anos da ditadura franquista, de como se operou o milagre da transição para a democracia, a reconstrução moral da cidade ocupada, como o título explicita. "Milênio" encerra o volume, prospecta um futuro, um porvir, uma possibilidade. Montalbán fala sobretudo dos projetos urbanos que serão feitos para os Jogos Olímpicos (a decisão havia sido tomada há pouco, em 1986), mas também fala do reerguimento da auto estima da cidade, da oportunidade, da possível volta da magia, da renovada utopia. Quase tudo o que foi escrito em 1987 ainda vale hoje, trinta anos depois. Inegavelmente os Jogos Olímpicos foram um sucesso e a cidade tornou-se um local de turismo privilegiado e marcante. Montalbán foi também um poeta, foi um homem otimista, sempre acreditou na capacidade de uma coletividade vencer qualquer obstáculo, qualquer desafio. Ele filtra com esses seus olhos confiantes uma sociedade complexa, que talvez tivesse mais matizes sociais do que ele era capaz de aceitar. Reli esse livro sobretudo por conta do que aconteceu na Catalunha neste ano. A tentativa da Generalitat de Catalunya (capitaneada por Carles Puigdemont) de forçar sua separação do Estado Espanhol, declarando unilateralmente a independência, em outubro, implicou em uma intervenção na Generalitat, a fuga de Puigdemont  e vários outros diputats independentistas para a Bélgica e a convocação de eleições gerais para o próximo 21 de dezembro. Ninguém sabe dizer hoje qual será o resultado prático das eleições. Ganhem os grupos nacionalistas ou os independentistas a questão da identidade catalã não se tornará por mágica menos complicada, menos tensa, menos humilhante para os catalães. Logo saberemos. Talvez eu acrescente um post-scriptum nesse registro, contando os sucessos das eleições. Vamos ver. Vale!
Registro #1248 (perfis e memórias #83)
[início: 10/05/2017 - fim: 15/12/2017]
"Barcelonas", Manuel Vázquez Montalbán, Barcelona: Editorial Empúries / Grup62, 1a. edição (1987), capa-dura 31,5x31,5 cm., 247 págs., ISBN: 84-7596-145-5

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