"Refusões", de Marcelo Tápia, é o maior portento poético que li no ano (o maior portento que li em prosa foi "Berta Isla", de Javier Marías). "Refusões" desdobra-se em seis volumes, reunindo a produção poética de Tápia, de 1982 a 2017. Trinta e cinco anos de boa poesia é para poucos. Tápia fez girar sua roda da fortuna, acrescentando a "Primitipo" (1982), "O Bagatelista" (1985), "Rótulo" (1990), "Pedra Volátil" (1996) e "Valor de Uso" (2009), um novíssimo e estimulante volume, "Expirais". Conhecia já quase todos desde os tempos de minha encarnação paulista, quando frequentava a USP e os Bloomsday paulistanos, capitaneados por Haroldo de Campos e secundados pelos cavaleiros da
távola haroldina, Tápia dentre eles sempre o mais industrioso. Sobre "Valor de Uso", de 2009, já registrei algo aqui (clica!). Foi um bom exercício voltar a cada um dos volumes, sair do "Expirais" e lentamente acompanhar o corsi e ricorsi marcelotapiano. Na curta e seminal introdução, Tápia explica tudo o que precisa ser dito com a chave da inteligência sobre o "Refusões". Ele precisa seu procedimento, informando que nem todos os poemas originais foram republicados, que alguns foram alterados, cortados, ilustrando que após nossas contínuas metamorfoses eventualmente temos a fortuna de nos tornar mais sábios e melhores leitores de nós mesmos, compreendendo melhor com as cãs da experiência aquilo que forjamos no tempo. Tápia, também um Janus redivivo, nos diz em sua introdução como vê a gênese e a lógica de sua produção do passado e decifra algo daquilo que agora entende como seu projeto (ele chama esse procedimento de emancipação de "uma 'fórmula' antes enunciada"). Para usar um símile da mecânica, Tápia parece aplicar o princípio de Hamilton à seu ofício, encontrando nesse conjunto de livros/poemas antigos e no novo "Expirais" a trajetória artística que sempre alcançou o valor extremo de sua ação, sua poesia. A refinada edição da Perspectiva inclui textos críticos de Jaa Torrano, Susana Busato, Antonio Vicente Pietroforte, Aurora Bernardini e Rodrigo Bravo. Cada um desses textos oferece ao leitor ferramentas de entendimento e apreciação à poesia do Tápia. E o leitor não pode deixar de acessar a página do livro no site da editora Perspectiva. Tápia lê trinta de seus poemas. Vale a pena conferir e desfrutar da dicção e entonação dele: Clica!. Enfim, não será nesse curto registro de leitura que alcançarei apresentar a potência e riqueza de soluções poéticas de cada um dos seis livros reunidos. Na falta de um registro próprio para cada um dos livros, só sintetizo aqui: (i) que no último poema de "Primitipo", seu primeiro livro, o poeta já cantava que "expira espirais do tempo / que rola no rio d'infância", remetendo o leitor à ideia geral de seu livro mais recente; (ii) que no "O Bagatelista" encontramos poemas visuais à la Bossa, à la e.e. cummings, poemas signo; (iii) que "Rótulo" é um livro de ismos, de um homem sociológico que usa as ferramentas de ofício e ironia bruta, para perscrutar verdades e mentiras; (iv) que em "Pedra Volátil" se fala da paisagem urbana, de causos históricos e políticos, explicita o Tápia forte, leitor de outros poetas fortes; (v) que "Valor de uso" talvez seja o mais musical, é o que mais gosto de ler em voz alta; (vi) que "Expirais" é puro deleite, em imagens, invocações, sínteses. O aedo procura uma musa perdida, é menos explícito quanto às fontes e inspirações, labuta para não deixar oxidados poemas, faz anamnese da vida inteira, faz brotar a memória caipira, concretiza tudo, sai a navegar, mediterrâneo e genealogia afora. Que conjunto, que alegria. Evoé Marcelo, Evoé. ÔBeleza. E Vale!
Registro #1250 (poesia #91)[início: 16/06/2016 - fim: 19/12/2017]
"Refusões: poesia reunida 2017-1982", Marcelo Tápia, São Paulo: Editora Perspectiva, 1a. edição (2017), brochura 15x20,5 cm., 448 págs., ISBN: 978-85-273-1099-4
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Balanço final 2017
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Balanço final 2017
Em 2017 entendi na prática as palavras de Flaubert que li há tantos anos: "Meu coração está se transformando numa necrópole". À morte de minha mãe, no final de dezembro de 2016, seguiu-se a de meu pai, no meio de junho. Perdemos também uma de nossas gatas, a Niham. Que praga! Enterrei alguns amigos, perdi-me de outros. Acontece. Li bastante poesia e
peças de teatro em 2017. De fato, desde o início de 2007, quando esse "Livros que eu li" fez-se às ondas do rumoroso mar digital, só em 2012 li tantos e bons volumes de poesia. Bueno. Em 2017 fiz 125 registros de leitura, aumentando um tanto a media dos
dez anos do blog. Foram 28 romances (22% do total), 19 livros de
crônicas ou de ensaios (15%), 19 de contos, 10 de poesia, 10 romances
policiais, 7 livros de arte, 6 novelas, 6 peças de teatro, 4 de perfis e
memórias, 4 histórias em quadrinhos, 3 infantojuvenis, 3 de turismo, 2
de gastronomia, e um mais ou menos dentro da seguinte classificação: de fotografias, de cartas, catálogo de uma exposição
de arte e de aforismos (talvez o mais fundamental deles, o do Ambrose Bierce). Já disse que li bastante boa poesia (Tápia,
Medeiros e Aleixo, entre outros) e bons dramas (Shakespeare, nas estimulantes
traduções de Botelho, Lawrence e O'Shea; Sófocles, na da Kathrin ); li cousas
boas japas (Tanizaki, Kafu, Buson, Murakami); li a excelente biografia
de Von Hunboldt; oito bons romances policiais de Donna Leon, 4
belas plaquetes do povo da At it Again. Li os quatro volumes da Série Napolitana de
Elena Ferrante. Li o bom Pamuk mais recente. Li
poucos livros em inglês (só 5% do total) e em espanhol (6%), talvez
meu pior registro histórico. Paciência. Isso se deu pois nunca havia lido tantos autores
nacionais. Foram 40 volumes, 32% do total. Alguns foram gratas surpresas,
outros merecem uma releitura, mas não me entusiasmaram tanto assim.
Aqueles que deixei de 2016 para ler em 2017 continuaram no limbo das promessas e dos planos, aquela zona
fantasma, muito embora eu tenha avançado um bocado no Tristram Shandy traduzido pelo Javier Marías. Foram
0,35 livros por dia, 2,46 por semana, 10,5 por mês. Foram aproximadamente 2/3
livros de ficção, 1/5 de não ficção e 1/5 de bons divertimentos, seguindo o bom conselho do Montaigne. Ajudei minimamente
o industrioso Abdon Grillo a editar seu estudo sobre o Ulysses, que será
lançado no início de fevereiro, no dia de aniversário do Joyce. Que alegria. Acompanhei os sucessos das
meninas da famiglia, Helga e Natália, que receberá seu título de bacharelado em Psicologia em breve, no próximo dia 06. Viajei bastante, conheci alguns lugares
realmente interessantes do interior do Brasil. Em 2018 haverá mais boa
poesia, haverá os haikus do Bachô editados em Portugal, os novos livros de Sérgio Medeiros e Ricardo Aleixo, a leitura do Finnegans
Wake da Dirce do Amarante, as novas transcrições caetnogalindescas, a sempre postergada biografia do Johnson. Haverá mais Donna Leon, gostei do estilo dela. O Javier Marías deverá lançar mais um livro com suas crônicas semanais reunidas. Haverá mais biografias e coisas musicais. Pretendo voltar aos gregos e aos mitos. Talvez irei seguir o conselho de um amigo de longe, para fazer registros das leituras antigas, prévias a existência do blog. É uma ideia ainda bruxuleante. Haverá
Copa do mundo de futebol, eleições, um Bloomsday Santa Maria novo. Talvez eu volte
para a Irlanda, desta vez com a Helga. Logo veremos. É isso. Vale!
Um comentário:
O post ficou incompleto? Abração.
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