Não havia me interessado em ler esse volume de Ricardo Lísias quando foi lançado, com certo e calculado alarde, em 2016. Entretanto Helga, senhora dos livros arte, das gravuras e das colagens, encontrou-o na Feira de arte gráfica ReTina, no início de junho e acabei lendo. Trata-se de um jogo metaliterário, uma proposta de discussão sobre os limites entre ficção e realidade. Na verdade esse volume (na falta de uma palavra melhor para descrever o apanhado de folhas e plaquetes reunidas em uma pasta arquivo) é o subproduto de uma série de cinco e-books que Lísias publicou de forma seriada desde setembro de 2014. Nos e-books se conta a história de um escritor chamado Ricardo Lísias e da subsequente investigação capitaneada por um sujeito/personagem dito Delegado Tobias. No jogo proposto por Lísias uma camada de ficção soma-se a primeira, a partir do momento em que ele inventa que um Delegado Tobias real o teria denunciado ao Ministério Público Federal, instando a procuradoria a conduzir uma investigação de eventual falsificação de documentos públicos. Tudo falso, obviamente, mas a coisa é escrita com o intuito de deixar o leitor sempre em dúvida sobre o que eventualmente poderia ser real ou ficcional. Dezenas de jornalistas e/ou críticos literários e/ou blogueiros de plantão parecem ter voluntariamente se unido a Lísias na divulgação de que a Polícia Federal real o teria intimado, numa crítica explícita aos vagos critérios utilizados pela polícia para gastar recursos e tempo, enfim, dando eco a crítica generalizada das fragilidades de todo sistema judicial brasileiro. Paciência. O que importa aqui é que como peça de ficção esse "Inquérito policial família Tobias" é fraco, para dizer o mínimo, já que o volume nada mais é de que uma coleção de desastradas histórias familiares dos Tobias, gente incapaz de entender adequadamente a realidade, e que eventualmente morrem ou fracassam em função desta inabilidade. A brincadeira sobre se foi real ou não a tal denúncia e consequente inquérito do autor Lísias é frouxa demais. Vivemos em um país onde tudo que pode ser bizarro e inusitado prospera, alcança a categoria de insultos generalizados à inteligência, visto que se sabe que somente aqui é possível que criminosos condenados imaginem ser candidatos a presidência da república, que criminosos condenados continuem a legislar no parlamento federal, voltando ao cárcere após o expediente, que investigados de toda a sorte de crimes se apresentem como candidatos a cargos públicos sendo alegremente apoiados por legiões de escravos mentais e indigentes morais, de todos os estratos sociais. Enfim, Lísias só é um escritor cabotino demais, um escritor que deve imaginar que todos seus eventuais leitores são completos idiotas, é alguém incapaz de escrever algo que realmente empolgue e pague o tempo investido por seus leitores. Paciência. A vida é breve, o tempo de leitura curto. Vamos em frente. Nem como livro arte essa joça parece interessaante. Vale!
Registro #1265 (romance #335)
[início: 07/06/2018 - fim: 09/06/2018]
"Inquérito policial família Tobias", Ricardo Lísias, São Paulo: Editora Lote 42,
1a. edição (2016), pasta com ferragem de garras 22,5x30 cm., 116 págs., ISBN:
978-85-66740-18-9
Um comentário:
Salve mestre! Um grande receio de vê-lo desistido deste diário de leituras perpassou meu insistente retorno à sua página! A alegria do retorno esmerilha ainda mais o prazer de voltar a ler suas linhas. Não pregue mais tal susto em seus amistosos leitores! Evoé!
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