Bem cedo na manhã de um domingo de janeiro, vagabundo e estival, tendo por perto uma taça de café ainda quente demais para ser devidamente apreciada, preparei-me para ler a costumeira crônica que Javier Marías publica no El País. Ele falava da releitura que tinha feito de "La guerra civil: Cómo pudo ocurrir?", pequeno ensaio de Julián Marías, seu pai, publicado originalmente em 1980. Leia aqui a Crônica de Marías, ele sabe sintetizar o livro de seu pai muito melhor do que eu jamais farei. Bueno. Mal terminei de ler e entrei ao site da Casa del Libro espanhola para encomendar um exemplar. Julián Marías foi um dos mais prestigiados filósofos espanhóis de seu tempo, especialista na obra de José Ortega y Gasset, e viveu de bem perto os sucessos da guerra civil. Não foi morto por puro acaso, pois esteve em celas de onde eram retirados aleatoriamente indivíduos para serem fuzilados várias vezes. A ditadura de Franco, que seguiu-se a guerra civil e durou até meados dos anos 1970, proibiu-o de dar aulas, expulsou-o da universidade e obrigou-o a uma vida de limitações, financeiras e intelectuais. Mas não é disto que trata este ensaio. Julián o escreve em 1980, mais de quarenta anos após o final da guerra, que durou de meados de 1937 a março de 1939. São reflexões de um sujeito que sabe ser um dos poucos sobreviventes daquela época distante, de um indivíduo que não é movido a paixões, não se auto-engana, não tergiversa. Em dez curtas seções ele tenta explicar o inexplicável da guerra, a irracionalidade da histeria coletiva que levou espanhóis àquela matança, a ruptura do país como nação. As fórmulas que sintetizam o livro talvez sejam essas: "Señor, qué exageración!", que foi sua primeira reação ao saber da eclosão da guerra (ele tinha apenas 22 anos) e "Los justamente vencidos; los injustamente vencedores" (cunhada por ele apenas após a morte de Franco). Como sempre, com a exceção de uns poucos, não houve inocentes dentre os protagonistas do conflito. A ambição do ensaio é que ele sirva para evitar a repetição dos mesmo erros, a retomada de uma espiral de mentiras e falso patriotismo que levasse seu país a uma nova guerra civil. Ele afirma ser é necessário que cada indivíduo vença a guerra interior contra suas paixões, cure-se da loucura social, não abandone o exercício da liberdade, não perca o controle da razão e do sentido de destino democrático. Ele advierte, com razão, da “... necesidad de un pensamiento alerta, capaz de descubrir
las manipulaciones, los sofismas, especialmente los que no consisten en
un raciocinio falaz, sino en viciar todo raciocinio de antemano”. A guerra civil começou por conta de interpretações bastante erradas da realidade, de uma cegueira mental e coletiva. O livro incluí um excelente prólogo, assinado por Juan Pablo Fusi, que resume as circunstâncias da guerra civil. Li e reli esse pequeno ensaio várias vezes deste o início de fevereiro, quando o recebi. De uma certa maneira ele parece explicar e antecipar o mesmo tipo de loucura coletiva que vivemos neste desgraçado e irrecuperável Brasil, país condenado ao mais triste futuro e destino, onde uma guerra civil sem balas, sem bombardeios, sem fuzilamentos indiscriminados, mas igualmente letal e irresponsável, já graça por todos os cantos. Dá pena, mas não muita pena. Maldita gente má. Vale!
Registro #1382 (crônicas e ensaios #249)[início - fim: 02/02/2019]
"La guerra civil: cómo pudo ocurrir?", Julián Marías, Madrid: Fórcola Ediciones, 3a. edição (2017), brochura 11x16 cm., 88 págs., ISBN:
978-84-15174-38-7
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