segunda-feira, 17 de junho de 2019

finnegans wake, por um fio

Para comemorar os festejos dos 80 anos de lançamento de "Finnegans Wake", de James Joyce, dediquei algumas horas das últimas semanas em livros que tratam dele. Já registrei aqui os bons "A Word in Your Ear", de Eric Rosenbloom e "Finnegans Wake, a plot summary", de John Gordon, verdadeiras bombas atômicas interpretativas do complexo romance. Hoje vou registrar algo sobre uma experiência de tradução de algumas passagens do livro, tradução engendrada por Dirce Waltrick do Amarante, respeitada professora da UFSC, que dedica-se há tempos na divulgação de cousas de Joyce. Trata-se de uma edição bilíngue, de pouco mais que 600 parágrafos ou frases do livro (que deve ter pelo menos 6000 parágrafos ou frases). Essa proposta tradutória fica a meio caminho daquelas já trilhadas por Haroldo de Campos e Augusto de Campos, no "Panorama do 'Finnegans Wake'", iniciada ainda nos anos 1960 e a de Donaldo Schüler, que publicou sua tradução integral do livro, em cinco volumes, entre 1999 e 2004. Digo isso pois essa proposta de Dirce W. do Amarante nem é exaustiva, ou pretende apresentar um único projeto de tradução, como no caso de Donaldo Schüler, nem tão inventiva e realmente original em língua portuguesa quanto a dos irmãos Campos, um verdadeiro portento de tradução. Claro, um neófito leitor, que nunca decidiu-se a enfrentar as robustas 628 páginas do original ganha muito com a proposta de Dirce. Em suas próprias palavras, no livro "(...) reconto o que eu ouvi de Joyce, ou o que eu quis ouvir; é a minha versão da história, meu fio narrativo". Em função deste projeto ela ressalta a história dos Earwicker e a notícia de um suposto crime que HCE teria cometido. Funciona. Mas a estranheza que o livro provoca continua ali, algo mais desfigurada pelo procedimento de recorte, de escolha, de seu singular e aleatórior fio  narrativo do livro. Em um curto posfácio Dirce Amarante descreve seus critérios de tradução, suas escolhas, fala dos artistas que a inspiraram: John Cage, Ana Hatherly e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos. É isso. Não há atalhos na aventura de ler Finnegans Wake. Joyce demorou 16 anos para escrevê-lo e a cada ano certamente são publicados uma dezena ou duas de trabalhos acadêmicos e livros a respeito dele. Ontem foi dia de comemorar o Bloomsday, todo mundo já se divertiu. Talvez seja o caso agora de um curioso leitor começar a se preparar para o Bloomsday 2020, começar a singrar esse caudaloso mar de palavras e signos. E vamos em frente. Vale!
Registro #1418 (romance #357)
[início:12/04/2019 - fim: 16/06/2019]
"Finnegans Wake (por um fio)", James Joyce, organização, tradução e posfácio de Dirce Waltrick do Amarante, São Paulo: editora Iluminuras, 1a. edição (2018), brochura 15,5x22,5 cm., 184 págs., ISBN: 978-85-7321-575-5

4 comentários:

Paulo Sousa disse...

Caro Guina,

tempos faz que tenciono ler algo do Joyce. Mas, tanto a preguiça, essa inefável companheira quanto o natural assombro causado por tantas opiniões discordantes renegam este momento. Talvez o FW não, mas que por onde começar a ter contato com a obra do irlandês?

Abraços.

Aguinaldo Medici Severino disse...

Tchê. Sou adepto da sequência canônica:primeiro o Dubliners, depois o Retrato de um artista quando jovem, depois o Ulysses,e, se sobrar vida e saúde, o Finnegans Wake. Há tanto para se ler. Vá de Dublinense, depois me conta. By de way. Por tua conta voltei ao Modiano. Tinha uns três volumes sem ler dele aqui em casa. Li um hoje. Abração.

Dirce disse...

De outro texto meu sobre o "Wake": "Minha tese, contudo, é a de que Anna Livia é a grande narradora de Finnegans Wake, mas ao invés de silenciar as outras vozes, ela permite que todos falem e une a fala de todos numa trama colorida feita de colagens de vários fios narrativos, os quais ela cuida para que não se rompam, para que tenham uma continuidade, ainda que tênue. A partir dessa afirmação, apresentaria uma outra tese: a de que existe um fio, ou vários fios narrativos na trama wakeana, a qual podemos seguir, se quisermos, do início ao fim (ou do fim ao início) do livro. Foi isso que propus, por exemplo, quando publiquei Finnegans Wake (por um fio), em 2018.
A propósito do fio, da atividade de fiar, segundo a artista, escritora e performer chilena radicada nos Estados Unidos, Cecilia Vicuña, no Chile, as mulheres são responsáveis por tirar o fio da bola de lã da vicunha, que é um camelídio andino; 'isso porque elas o tiram com cuidado, de modo que nunca o corte'. Com essa imagem, ela conclui: 'A mulher é quem conserva a unidade e a união. Essa é a arte das mulheres, por isso estão sendo perseguidas no mundo todo, porque delas depende a continuidade da vida'”.

Dirce disse...

Agradeço a leitura.
Do meu posfácio: "Quando me propus seguir um fio narrativo do livro, contar uma das muitas histórias contidas nele, veio uma primeira pergunta: mas sobre o que é Finnegans Wake? Para Samuel Beckett, o livro não é sobre coisa alguma, é a coisa em si. Já Michel Butor afirma que o Wake nada mais é do que um sonho sobre a linguagem. Outros estudiosos, como Margot Norris e José Carneiro González acreditam, todavia, que algo de fato emerge da leitura do livro e não se pode negar a existência de uma trama que descansa sobre a espessa textura de suas linhas. Segundo o próprio James Joyce, em Finnegans Wake ele conta “a história da família de Chapelizod de uma maneira nova”, usando uma linguagem onírica.
Há ainda os críticos que afirmam não importar saber do que se trata o livro, pois resumir seu enredo seria perder as suas proporções enciclopédicas. Daí a dificuldade em escolher o que destacar no Finnegans Wake".
"A leitura desse fio narrativo não quer nem pode substituir a leitura de Finnegans Wake, mas tem por objetivo oferecer uma aproximação a um livro absolutamente surpreendente".