Karel Čapekfoi um escritor tcheco, que viveu entre 1890 e 1938. É reputado a ele o neologismo "robot", para identificar a máquina/equipamento que realiza trabalhos de forma autônoma, por programação prévia. Esse seu curioso "A guerra das salamandras" foi publicado originalmente em 1936. Trata-se de um romance que pode ser lido como uma alegoria fantástica, uma fábula moral e também como uma elaborada denúncia. Um capitão de origem tcheca, chamado J. van Toch, navegando pelo Oceano Índico, toma ciência da existência de uma espécie de salamandras invulgarmente inteligentes. Em um primeiro momento ele as domestica para sua vantagem pessoal, privada, utilizando-as como habilidosas pescadoras de pérolas. De volta à Europa este capitão convence um seu compatriota, chamado G.H. Bondy, a investir na criação das salamandras em larga escala, fato que acaba acontecendo. Em função de sua exuberante cognição e capacidade de evolução, em pouco tempo milhões de salamandras passam a ser utilizadas em todos os lugares do planeta como mão de obra escrava, trabalhando em uma miríade de projetos, em regiões submarinas e costeiras, usualmente inóspitas para os homo sapiens. Entre a completa escravidão e a auto-organização, com variados graus de independência, poucas décadas decorrem, culminando em uma fatal declaração de guerra das salamandras, dirigida à todas as nações do planeta, em busca de mais territórios submarinos para sua procriação e autogestão. A guerra propriamente dita é descrita em uns poucos capítulos no final do livro e não serei eu quem roubará do leitor o prazer de conhecer seu desfecho (que tem algo de Vico, de bíblico, acho eu). O que realmente importa no romance são as longas descrições de como os europeus alcançaram submeter as salamandras à escravidão. O tom sempre é irônico, satírico. Ademais, o fato de tratarem-se de salamandras (e não de homo sapiens) faz com que o leitor aceite com bom humor toda a narrativa. Todavia, o que Čapek faz é ilustrar como todo o período colonial e a construção da civilização industrial na Europa fez-se sobre os cadáveres de milhões de indivíduos, de milhares de culturas e povos. Na narrativa de Čapek não há mocinhos. Todos as ideologias políticas do século XX são igualmente daninhas, incompatíveis com o bem comum de todas as espécies e povos do planeta, pouco importa se apresentam-se sob os véus de liberalismo, socialismo, anarquismo, corporativismo, marxismo, comunismo, social-democracia, conservadorismo, nacionalismo, fascismo ou o diabo à quatro. Pouco importa se utilizamos os olhos da literatura, seja literatura fantástica, ficção científica ou contos de fadas, pouco importa se utilizamos as ferramentas da filosofia, sociologia ou antropologia, o homo sapiens não vale mesmo nem um tostão de mel coado. Maldita gente má. Vale!
Registro #1532 (romance #381) [início: 07/05/2020 - fim: 09/05/2020]
"A guerra das salamandras", Karel Čapek, tradução de Luís Carlos Cabral, Rio de Janeiro: Editora Record, 1a. edição (2011), brochura 14x21cm, 334 pág. ISBN: 978-85-01-08053-0 [edição original: Válka s mloky (Praga: Frantisek Borový) 1936]
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