A polonesa Olga Tokarczuk recebeu o prêmio Nobel de literatura de 2018. Em "Sobre os ossos dos mortos", seu romance publicado originalmente em 2009, o leitor é apresentado a uma discussão moral sobre a relação entre os homo sapiens e a natureza, a reflexões sobre a caça e a ingestão de carne dos animais, e também sobre a hipocrisia que sempre governa grande parte das relações sociais. Ao ler o livro lembrei sobretudo de Elizabeth Costello, personagem de J.M. Coetzee que tem preocupações semelhantes à protagonista de Olga Tokarczuk, uma engenheira aposentada chamada Janina Dusheiko. A Sra. Dusheiko é uma senhora de idade, que dá aulas de inglês para crianças do ensino fundamental e cuida de casas que são abandonadas durante o inverno em uma região remota do sul da Polônia, próxima a fronteira com a República Tcheca. Dusheiko e mais dois homens igualmente velhos são os únicos moram naquele vilarejo durante todo o ano. No início do romance um deles morre, engasgado com um osso na garganta, fato que desencadeia uma sucessão de outras mortes na região, todos eles membros de um clube de caça. A Sra. Dusheiko é uma mulher obcecada por astrologia e passa a sugerir tanto aos amigos mais próximos quanto à polícia que as mortes podem estar associadas a uma espécie de vingança dos animais. É um livro muito bem escrito e de leitura agradável. Demora para o leitor entender exatamente como opera a imaginação e a mente desta mulher. A autora nos conduz não como um romance policial, mas com surpresas e achados literários muito bons. Poemas e citações de William Blake povoam o livro e servem como gatilho para boa parte das reflexões morais provocadas pela narradora (que é a Sra. Dusheiko, pois esse livro é escrito em primeira pessoa, como em uma longa confissão da protagonista a um de seus amigos, um jovem que ela ajudava em um projeto de tradução dos poemas de Blake). Em algum momento da leitura lembrei de Elias Canetti, de seu livro "O todo-ouvidos", onde ele - a exemplo da personagem de Olga Tokarczuk, faz descrições de personagens a partir dos nomes que inventa para identificá-los, uma espécie de tipologia social cruel, agradavelmente sarcástica. Muito interessante. É o caso de procurar outras coisas desta autora. Mas vamos em frente, continuar este particular baile macabro, onde vivemos todos sobre os ossos de nossos mortos, aí de nós. Vale!
Registro #1527 (romance #379) [início: 27/04/2020 - fim: 06/05/2020]
"Sobre os ossos dos mortos", Olga Tokarczuk, tradução de Olga Baginska-Shinzato, São Paulo: Editora Todavia, 1a.
edição (2019), brochura 13,5x21 cm, 256 págs. ISBN: 978-85-88808-69-6 [edicão original: Prowadź swój pług przez kości umarłych (Kraków: Wydawnictwa Literackie) 2009]
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