Uma coisa que acontece sempre que consultamos uma biblioteca ou passeamos por uma livraria é nos deparar com algo totalmente novo. Estes lugares são mesmo parques de diversão para os sentidos. Pois noutro dia eu estava na CESMA, matando tempo, sem compromissos, e vi a lombada de “Café Titanic”. O nome chamou-me a atenção e eis que naquela hora tive em mãos pela primeira vez um livro de Ivo Ándritch, que vim a saber depois, ganhou o prêmio Nobel em 1961. O mundo real mais uma vez mostrou-me que por mais que me esforce em ler tudo que me cai nas mãos (tolo que sou) sempre haverá autores novos, livros novos, literaturas inteiras novas, para serem descobertas. Pouco adianta ser este leitor contumaz. Mas vamos ao livro. Ándritch nasceu em 1892, em uma região dos balcãs que hoje faz parte da Bósnia (na época era parte do império austro-húngaro.) Grande erudito, linguísta, professor, escritor e diplomata por muitos anos (do antigo Reino dos Sérvios, Crotas a Eslovenos e depois também da antiga Yugoslávia), Ándritch foi um dos responsáveis por compilar lendas populares, histórias e relatos dos muitos povos e religiões que coabitaram os balcãs (sérvios, croatas, bósnios, albaneses, montenegrinos, eslovenos, russos, ciganos, árabes, judeus, cristãos, ortodoxos, muçulmanos.) Referência intelectual em seu país, chegou a ser assediado pelo regime comunista de Tito, mas manteve corajosamente sua independência. Em “Café Titanic” temos uma pequena mostra da versatilidade e da vívida imaginação de Ándritch. Como em um mundo mágico, os dez contos deste livro apresentam pessoas, lugares, paisagens e histórias sempre muito tocantes, plenas de humanidade. No conto que dá nome ao livro lemos sobre um judeu sefardita que vê seu mundo desmoronar quando o ódio entranhado de seus antigos vizinhos aflora durante a primeira grande guerra; em outro aprendemos algo sobre um laborioso arquiteto do império otomano que se esforça em construir uma ponte sobre um dos rios da Bósnia, apesar do descrédito e achincalhe dos moradores locais; em outro conto acompanhamos uma disputa judicial entre um servo e um senhor quando da mudança de governo em uma região (os governantes mudam, mas não as regras de classe, nos ensina sutilmente Ándritch.) Vários contos se passam em épocas remotas, são histórias de vizires, beis, emissários de um distante mas poderoso sultão. Em todos eles os usos da linguagem na comunicação entre os homens são ressaltados. Os contos tem um estilo bem particular, um tanto diferente do que tenho lido ultimamente. São fáceis de ler, mas tão bem escritos e repletos de informação, que parecem jóias lapidadas durante anos. É um livro bem editado, traduzido diretamente do sérvio por Aleksandro Javonović, que também assina uma boa introdução e um necessário glossário. Ninguém se torna um especialista nos eslavos do sul após ler este livro, mas certamente vai ter sua curiosidade aguçada para entender um tanto deste mundo pouco conhecido.
"Café Titanic”, Ivo Ándritch, tradução de Aleksandar Jovanović, editora Globo, 1a. edição (2008), brochura 14x21cm, 278 págs. ISBN: 978-85-250-4412-9
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