domingo, 19 de outubro de 2008

sábado

Sábado foi publicado em 2005 e descreve pouco mais de 20 horas de um sujeito, ou melhor, de uma família inglesa contemporânea. Em uma comparação ligeira poderíamos pensar em Ulysses, de James Joyce, no Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf ou nos Ratos, de Dyonélio Machado. Há ecos do 11 de setembro neste livro, ou seja, a idéia do terrorismo e do poder do estado pairam sobre o enredo e os personagens. Mas McEwan nunca é pedestre e nos oferece uma história onde podemos refletir um tanto sobre o quê é mesmo viver com medo e se vivemos com medo pelos motivos certos (se é que existem estes motivos.) Descrever o enredo é estragar boa parte do livro. Prefiro fazer só um resumo rápido, na forma que se segue: um sujeito acorda cedo em uma manhã de sábado e vê pela janela um avião em chamas sobre sua Londres quieta e escura (este fato aconteceu mesmo no início de 2003, com um avião de carga russo, cujos tripulantes genuinamente russos foram confundidos com árabes, xenofobismo comum nestes tempos bicudos em que vivemos.) Neste mesmo dia aconteceu também a maior manifestação de rua em Londres, um protesto contra o envolvimento da Inglaterra na guerra do Iraque. O personagem principal, um neurocirugião respeitadíssimo, sua mulher, seus filhos, seu sogro, têm planos de se encontrar na noite deste dia para um jantar de uma comemoração mundana qualquer. Ele tem compromissos corriqueiros neste dia: jogar squash, comprar peixes e especiarias; preparar o jantar, gelar os vinhos preferidos de seu sogro, pagar contas para sua mulher que está muito atarefada, visitar a mãe (que sofre de Alzheimer) em um asilo, assistir a um ensaio de seu filho músico, receber sua filha que volta a Londres após um longo período na França. Um acidente automobilístico besta entre ele e um grupo de sujeitos que parecem gângsters vai provocar no início da noite um reviravolta na vida desta família. Nada absurdo (como acontece mais comumente na vida real, mas o suficiente para fazê-los refletir sobre a redoma em que vivem.) Mais que nos mostrar como se passa um dia na cabeça de um personagem, McEwan nos mostra um panorama denso do homem moderno, com suas esperanças, seus medos, suas fragilidades mais entranhadas. Gostei particularmente do contrastre entre a descrição do que um sujeito pensa e as detalhadas descrições de intervenções cirúrgicas no cérebro feitas pelo neurocirurgião. Técnicas ao extremo, mas belíssimas de se ler. É um livro super bem escrito. Este sujeito é mesmo um excelente escritor.
"Sábado”, Ian McEwan, tradução de Rubens Figueiredo, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2005), brochura 14x21cm, 336 págs. ISBN: 978-85-359-0746-9

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