Gosto de cozinhar e de ler livros sobre culinária. Meu amigo Guga Pimenta diz vez ou outra que tenho mais livros de culinária que ele de qualquer outra coisa. Eu fico envaidecido e encabulado ao mesmo tempo e aí lembro da meia dúzia de livros de culinária que o Koji tem na sua cozinha. Ele sim é um cozinheiro de mão cheia, pleno de truques e habilidades, e que cultivou nos filhos e nos amigos o hábito prazeroso de ter nas refeições uma festa para os sentidos. Mas chega de reminiscências. “O pedante na cozinha”de Julian Barnes não é exatamente um livro de culinária, mas sim um razoável livro escrito por um bom autor. Um de meus livros favoritos é “O papagaio de Flaubert”, do mesmo Julian Barnes que assina este. Ele sabe contar uma história e há um sarcasco sutil em tudo o que escreve. Talvez estes textos tenham sido escritos antes para um jornal, vai saber, ou talvez ele tenha dado literariamente exatamente esta impressão de propósito, pois de fato é um escritor muito experimental. Mas eu disse que o livro é razoável, vejamos porquê: ele elenca questões importantes relacionadas aos livros de culinária: a falsa dificuldade ou simplicidade sempre alegadas de antemão pelos autores; a pretensão encarnada em todo autor e cozinheiro (a maioria já virou “chef” faz tempo); a ilusão das fotos e das cores; a criptografia das receitas mal formuladas; a ausência de tempos, quantidades e descrições corretas das especiarias e temperos, o fato dos utensílios e aparatos serem sempre distintos dos nossos; as obviedades e as extravagâncias que todo aprendiz de cozinheiro deve internalizar e/ou evitar. Seu livro fala basicamente de livros de autores ingleses, desconhecidos para este contumaz resenhador: Richard Olney, Nigel Slater, Marcella Hazan, Jane Grigson, Elizabeth David. Who? Esta última me soa familiar, mas eu não tenho nada dela em casa. Fazer o quê? Onde estão afinal os rodados Nigella Lawson, Jaime Oliver e Gordon Ramsay por exemplo? Contemporâneos demais, moderninhos demais parece dizer-me Barnes, caçoando. O livro de Barnes mostra o caminho: não ser escravo de um livro só, não ter medo de anotar as tuas próprias receitas, seguir seu instinto (o melhor seria dizer criar seu instinto culinário), não se prender a convenções tolas, tentar extrair prazer do processo e da companhia (sem isto não há jantar que resista). Para quem não tem medo de um forno e fogão vale uma folheada.
"O pedante na cozinha”, Julian Barnes, tradução de Jussara Simões, editora Rocco, 1a. edição (2008), brochura 14x19cm, 142 págs. ISBN: 978-85-325-2344-0
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