Entre fevereiro e julho do ano passado li cinco livros de Philip Roth. Em agosto continuei e li o primeiro capítulo deste "O avesso da vida" mas resolvi parar, pois estava saturado daquilo tudo: principalmente do binômio sexo e câncer, mas também dos jogos mentais, do judaísmo e da psicologia, da alta literatura e falta de otimismo. Claro, são exatamente estes os ingredientes que sempre me agradam na obra de Roth, mas há épocas da vida em que temos de escolher entre um bom livro e nossa saúde mental. Deixei o livro empilhado na estante. No final de dezembro, quando o estado de Israel recomeçou seu massacre da vez na faixa de Gaza resolvi retomar o livro. Afinal a única coisa que salva o sionismo é a existência de bons escritores como Philip Roth. Neste livro, escrito em 1986, o personagem Nathan Zuckerman, que eu tinha acabado de ver definhar no bom "Fantasma sai de cena" aparece no auge da maturidade, enredado em uma série de situações bizarras. São cinco capítulos algo díspares. No primeiro acompanhamos a história da morte de seu irmão, um dentista indeciso entre a manutenção de sua vida sexual e os cuidados com uma doença coronária. No capítulo seguinte reecontramos este mesmo irmão (não morto obviamente) vivendo em um asssentamento judaico próximo a Belén, na Cisjordânia, em meados dos anos 1970. Nathan e este irmão discutem o fanatismo religioso dos judeus ortodoxos destes assentamentos e o papel de líderes religiosos radicais nas organizações sociais e em um estado não-laico como Israel. Como se trata mesmo de um romance onde a imaginação parece construir sempre a realidade, no terceiro capítulo Nathan tem uma alucinação: sentado a seu lado em um avião da El Al um jovem judeu americano tenta sequestrar ou explodir o avião e é impedido por agentes do Mossad disfarçados. Natham é rudemente tratado como cúmplice do fanático religioso (cuja motivação parece ser fazer com que Israel siga seu caminho sem explorar o holocausto como justificação de violência contra os árabes). No capítulo seguinte acompanhamos como Nathan se envolveu com uma inglesa cristã casada e de como esta descobre, durante um aparente impedimento de Nathan por motivos de saúde, entre seus guardados, material ficcional onde o relaciomento afetivo, familiar e conjugal deles é trabalhado e friamente descrito. Curiosamente o próprio Nathan morre neste capítulo e lemos algo sobre os discursos elegíacos de seu funeral. No último capítulo, que se passa em Londres, discute-se principalmente sobre situações à reação de Nathan a vários ataques anti-semitas. Ataques de um casal em um restaurante sofisticado, da cunhada em uma igreja e da própria sogra em sua senhorial casa de campo, que mais surpreendem, constragem e chocam sua mulher que aliviam a fúria sionista de Nathan. Ele e a mulher também discutem se é médica ou religiosa a necessidade de se fazer a circuncisão no filho deles que está para nascer. É um livro difícil. Eu não diria que um capítulo contradiz o anterior como se lê na quarta capa da edição que li. Mais bem me parece uma série de descrições de como as idéias de um romancista se misturam com suas experiências reais e propiciam ou não material que se torna um texto de ficção. Afinal o livro nem é um ensaio sociológico ou histórico. Nas palavras do Roth no livro: "Em vez disto, copiei tudo para as minhas notas pessoais, aquele próspero armazém de estocagem de minha fábrica narrativa, onde não existem demarcações precisas separando o que acontece de fato, e é relegado eventualmente à imaginação, daquilo imaginado e tratado como tendo de fato ocorrido - a memória tão interligada com a fantasia quanto ela é no cérebro." Bom livro, pena que ao terminar de lê-lo ainda existia a fria realidade das centenas de civis palestinos massacrados pelo estado de Israel. Vamos em frente. [início agosto/2008 - fim 30/12/2008]
"O avesso da vida", Philip Roth, tradução de Beth Vieira, editora Companhia das Letras (1a. edição) 2008, brochura 13,5x18, 371 págs. ISBN: 978-85-359-1249-4
Um comentário:
Gosto demais de Roth, para mim um escritor extremamente sofisticado. Os temas espinhosos e muitas vezes batidos (como vc mesmo disse) não deixam a dever na alta qualidade de seus romances. Li este ano passado. A propósito, terminei anteontem o livro sobre livros do Dalrymple.
Postar um comentário