"Sobre a morte" não reune exatamente memórias de Elias Canetti, talvez mais apropriadamente reune aforismos, anotações e reflexões dele sobre a morte e a vida. Os textos mais longos já haviam sido publicadas em livros como "Massa e poder" (a reflexão sobre a experiência de visitar cemitérios), "Língua absolvida" (o texto poderoso em que conta a morte de seu pai) ou "A consciência das palavras" (sobre um médico japonês que sobreviveu alguns meses à explosão da bomba atômica em Hiroshima). Já as anotações, que são fragmentárias e de fato quase sintéticas como aforismos, não foram em sua maioria publicadas durante a vida de Canetti. Elas foram produzidas ao longo de cinco décadas, a primeira sendo de 1942, ainda em meio às desgraças da segunda grande guerra, e seguiram até 1993, um pouco antes de sua morte. Assim sendo, estes "pensamentos contra a morte", como ele os definiu, não foram todos produzidos para publicação imediata. Canetti argumenta que não poderia haver conciliação entre eles, intrinsicamente contraditórios. Ora ele defende ser fundamental jamais se esquecer da morte, ora argumenta ser necessário resistir à ela (mas sem usar a resistência do esquecimento). Se é que eu entendi bem (um tanto com a ajuda do posfácio incluído no livro, assinado por um sujeito chamado Thomas Macho) esta dualidade é bem freudiana, dualidade entre o instinto de vida e o instinto de morte. Thomas Macho também argumenta sobre uma contraposição entre as teses de Canetti e aquelas de Heidegger, mas este escriba resenhador não tem idéia se isto é mesmo relevante ou verdadeiro. De qualquer forma os conjuntos de anotações se defendem bem sozinhos afinal de contas. Agrupados por períodos (1942-1972, 1973-1985, 1954-1971, 1973-1994, 1992-1993), que correspondem a cadernos de anotações distintos, eles levam o leitor a pensar. Emerge deste curioso livro um grande amor pela vida, um grande amor pelos livros e pela cultura de seu tempo. Haverá algo mais de Canetti a ser garimpado e desenterrado de seus guardados? Espero que sim. [início 19/12/2009 - fim 22/12/2009]
"Sobre a morte", Elias Canetti, tradução de Rita Rios, editora Estação Liberdade, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 157 págs. ISBN: 978-85-7448-169-3
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