Dois garotos são deixados pelos pais para serem cuidados por mulheres que vivem no campo. O narrador de Modiano (sempre um híbrido trapaceiro e pouco confiável dele mesmo) conta alguns dos sucessos vividos por eles. As duas mulheres tem amigos algo misteriosos, aparentemente envolvidos em negócios suspeitos e que se comunicam através de conversas cifradas. Algumas vezes esses amigos levam o mais velho dos garotos (de dez anos, o narrador afinal de contas) em suas viagens a Paris. Esses amigos, no passado, quando da ocupação nazista da França, se infiltraram na máquina de repressão e executaram serviços sujos para os alemães (desde a receptação de bens abandonados por quem fugia da guerra até a participação em sequestros e tortura de eventuais membros da resistência francesa). Boa parte de maus elementos como eles foi executada após a guerra por traição, mas alguns conseguiram sobreviver e passaram a viver a margem da lei, sempre envolvidos com negociatas. O garoto/narrador vive num mundo de fantasia, ouve histórias de contrabandistas e de fortunas enterradas em castelos em ruínas, faz passeios pelo campo com os colegas da escola, descobre seu talento incomum para a poesia, tem notícias vagas dos pais de tempos em tempos. Num dia ganha uma cigarreira de presente, de uma dessas pessoas mais velhas com quem convive. Somente anos depois, quando já mora em Paris e tenta escrever um romance, ele entenderá a origem daquela cigarreira. Assim, Modiano faz com que certos objetos sejam os condutores da memória dos homens (de um jeito mais brutal que aquele utilizado por Proust, mas tão efetivo literariamente quanto). Bela história. Belo livro.
[início - fim: 25/03/2015]
"Remissão da pena", Patrick Modiano, tradução de Maria de Fátima Oliva do Couto, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 13,5x21 cm., 127 págs., ISBN: 978-85-01-10275-1 [edição original: Remise de Peine (Paris: Editions du Seuil) 1988]
Um comentário:
Gostei do livro. Abraço.
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