De Margaret Atwood só havia lido um pequeno mas potente livro, "A Odisséia de Penélope", há mais de dez anos. Semanas atrás, por conta da agitação que sempre antecede a divulgação do prêmio Nobel de literatura, resolvi ler algo dela. Atwood está sempre presente nas listas de favoritos de uns anos para cá, mas, já se sabe, ganhou um outro favorito, Kazuo Ishiguro. Em "Dicas da imensidão" estão reunidos dez contos. São histórias realistas, que demonstram uma curiosidade por um certo tipo de pessoas, aquelas que viveram uma vida agitada, típica dos subúrbios de classe média, com relacionamentos, tempos de estudo e de trabalho, eventualmente filhos e proezas, talvez menos sucessos que aborrecimentos, mas sempre não exatamente da forma com que sonharam em algum momento prévio de suas vidas. Os personagens são professores, advogados, jornalistas, gente de mundo da arte e da cultura, que olham para o passado e tentam encaixar uma narrativa para a vida que viveram e irão viver. As histórias acontecem quase sempre na região de Toronto, no Canadá, mas os personagens ora viajam para a Inglaterra, ora cruzam a fronteira próxima dos Estados Unidos e passam um tempo por lá. Os recortes de vida que Atwood apresenta ao leitor pertencem quase sempre ao período que vai da Segunda Grande Guerra até meados dos anos 1980. Os fatos históricos deste período, bem como as ações de pessoas reais até são citados vez ou outra, mas apenas incidentalmente, o que importa para o narrador dos contos é o impacto destes fatos e ações nos personagens ali inventados. Nos contos quase sempre é sobre uma mulher que se narra, mulheres geralmente fortes, emancipadas, seguras de si, mas que trazem no corpo certas feridas, vestígios de seus combates, sabem que a ausência de uma amiga que morreu, dos filhos que cresceram, das paixões que se foram é uma ausência que não será roubada delas, uma ausência que as alimentará no futuro. Quando um homem é o protagonista certo da história trata-se de um farrapo humano, um tolo ou um canalha. Mas o livro não é sexista, o tom é sempre claro, o leitor reconhece facilmente a verossimilhança daqueles personagens, pobres homo sapiens contemporâneos nossos. Os contos realmente são bem escritos. Interessante mesmo, mas vamos em frente.
Registro #1230 (contos #144)[início: 01/10/2017 - fim: 16/10/2017]
"Dicas da imensidão", Margaret Atwood, tradução de Ana Deiró, Rio de Janeiro: Editora Rocco,
1a. edição (2017), brochura 14x21 cm., 238 págs., ISBN:
978-85-325-2991-6 [edição original: Wilderness tips (Toronto: McClelland & Stewart / Penguin Random House Canada) 1991]
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