Esse curioso livro é uma genuína invenção caetanogalindonesca, pois foi graças a seu engenho que rematerializaram-se em papel as histórias narradas por Nate DiMeo e mantidas em podcast desde novembro de 2008. Nate DiMeo é um jornalista americano de quarenta e poucos anos, especialista em usar o rádio como mídia. As histórias dele brotam de fatos e biografias verídicas, sobretudo histórias que fazem parte de uma espécie de mitologia dos deserdados americanos (americanos do norte, vamos combinar), aquele tipo de história que parece ser o que dá liga às narrativas épicas dos pilares da sociedade americana, aqueles pilares dos grandes ícones, dos grandes feitos, das grandes conquistas, do grande sonho. Claro, as historias impressionam pelo que há de universal nelas, pelas epifanias que evocam, pelo que fixam da experiência humana (acontece que os americanos, do norte, se especializaram em deixar vistos perenes destes feitos, destes acontecimentos). O leitor acompanha em curtos episódios causos que se equilibram entre o inusitado, quase bizarro, e o tocante, quase piegas. Há um lirismo, que enternece o coração cínico que quase todos temos hoje; uma fé no valor intrínseco da aventura humana, que não julga, não culpa, não achincalha; um registro físico, que oferece às futuras gerações de homo sapiens algo para reflexão. As histórias contam cousas dos anos 1800 e da primeira metade dos anos 1900 (acho que os sucessos da segunda grande guerra e da conquista da Lua são as mais recentes registrados no livro). Há um leve engajamento, uma escolha temática talvez, que valoriza contar os sucessos e as tragédias daqueles mais vulneráveis e deserdados, que experimentaram mais aborrecimentos e desgraças. Se pessoas como Nate DiMeo não fizer esse tipo de trabalho, quem o fará? Edmund Wilson cunhou o bom aforismo que nos ensina "não haver segundo ato na vida dos americanos" (se é que me lembro bem ela pensava na obra e biografia de Scott Fitzgerald quando escreveu isso). As histórias de Nate DiMeo parecem ilustrar muito bem a ideia de Wilson. Gostei particularmente das historias sobre a influência das ações do homens em grandes extinções, ou quase extinções (de lagostas, castores, populações indígenas). Gostei também dos causos derivados da guerra civil americana e daqueles relacionados a luta pelos direitos civis. As histórias sobre trambiqueiros, ilusionistas, mentalistas, gente que vive de enganar os outros, e também a se enganar, são tocantes. Há várias histórias em que se registra a antiga prática de usar jornais e revistas para enganar a população crédula (precisamos sempre lembrar que as "fale news" não são invenção recente). As histórias sobre inventores amalucados e suas obsessões são as mais divertidas. Lembrei imediatamente daqueles livros do Schott, dos almanaques de antigamente, que enfileiravam curiosidades e efemérides, e serviam para abastecer o repertório dos leitores que não tiveram educação formal. Galindo conta em um curto posfácio o assombro que a primeira audição dos podcast lhe causou. A força das narrativas de Nate DiMeo deixou-o sem sono e sem fôlego. E graças a esse assombro temos esse livro em mãos. Evoé Caetano, evoé! Em tempo: Vale a pena acessar o "The Memory Palace" original. Bom divertimento.
Registro #1221 (contos #143)
[início: 13/09/2017 - fim: 23/09/2017]
Registro #1221 (contos #143)
[início: 13/09/2017 - fim: 23/09/2017]
"O palácio da memória", Nate DiMeo, tradução de Caetano W. Galindo, São Paulo: Editora Todavia, 1a.
edição (2017), brochura 14x21 cm, 256 págs. ISBN: 978-84-93828-01-0 [edição original: The Memory Palace, a podcast, since Nov 12, 2008]
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