Em 1988, quando a Companhia das Letras ainda era uma jovem editora paulistana, lançou um volume de entrevistas publicadas originalmente na revista Paris Review. O curioso do lançamento foi a proposta da editora paulista: fazer da capa de cada exemplar da edição uma peça de arte única. Para isto escalou dois artistas plásticos: Marco Mariutti e Clovis França. Eles criaram uma linha de produção inusitada e pintaram artesanalmente (com ajuda de amigos e celebridades) as 3.000 capas da edição original. Lembro-me da experiência de ver os volumes nas estantes da livraria cultura (naquela época havia apenas uma livraria cultura) e da dificuldade de escolher um exemplar [o budismo ensina que upādāna (apego) é um mal, mas talvez no caso dos livros não seja bem assim]. De qualquer forma tenho meu exemplar até hoje, algo machucado pelos anos, infestado um tanto por fungos. A capa ainda mantém seu charme. Os livros sabem nos contar também um tanto da passagem cruel do tempo. No ano seguinte eles lançaram um segundo volume de entrevistas, que também tenho nos meus guardados, mas a capa (dos mesmos Marco Mariutti e Clovis França) já foram produzidas industrialmente. Recentemente a editora resolveu produzir uma nova seleção e edição das entrevistas. Não se trata de uma reedição daqueles livros do final dos anos 1980. Acontece que editar um livro com entrevistas da Paris Review é relativamente fácil, pois desde sua fundação quase 350 entrevistas foram feitas. Esta nova edição reúne quatorze delas, a mais antiga de 1956 e a mais recente de 2006. A seleção dos escritores entrevistados deve algo da leitura que o organizador faz da boa literatura de seu tempo e da tradição que ele entende ter ainda alguma força para influenciar este seu tempo. Das 17 escolhas de 1988 feitas por Marcos Maffei, a pessoa não nominada que fez a seleção em 2011 manteve apenas 3 (Faulkner, Céline e Borges). Os demais são: Truman Capote, Ernest Hemingway, W. Auden, Doris Lessing, Manuel Puig, Amós Oz, Primo Levi, Billy Wilder, Ian McEwan, Paul Auster e Javier Marías. Se um sujeito cotejar as duas edições pode se perguntar, porquê Capote e não Vidal, Lessing e não Gordimer, Levi e não Singer, Billy Wilder e não Dorothy Parker, Auster e não Cheever. Bobagem, toda escolha é irrelevante. As entrevistas sempre se defendem sozinhas. Nada supera o encontro de um leitor com a obra de um sujeito. Mas somos humanos e gostamos de ouvir algo de primeira mão sobre a vida ou sobre o processo de invenção e produção dos autores mais influentes que conhecemos. Fiquei feliz em ler algo que não conhecia do Javier Marías (sempre muito divertido e arguto) e do Ian McEwan (também preciso e bem humorado). As entrevistas mais antigas, de Borges, Auden, Hemingway, Capote, Céline e Faulkner continuam seminais. Este não é um livro para se ler de uma vez só, mas pode ser deixado à mão para ser consultado quando o humor - sempre errático - ou a leitura recente de algum daqueles autores, vier a convocar nossa vontade. Por fim cabe registrar que a Paris Review Magazine nasceu em Paris em 1953 e foi transferida para New York ainda nos anos 1970 (o site da editora não informa isto corretamente). Desde a fundação até 2003 foi editada pelo industrioso George Plimpton. O certo mesmo a ser feito é ir a fonte original destas entrevistas, o site da Paris Review e conferir cada uma delas, que estão todas lá no original, sem taxas - por enquanto). Mas já é hora de voltar a algum original forte, alguma ficção consistente, abandonar estes divertimentos, estes desvios. É tempo. [início 11/04/2011 - fim 28/05/2011]
"As entrevistas da Paris Review - vol. 1", W.H. Auden, Louis-Ferdinand Céline, Javier Marías, Jorge Luis Borges, Ian McEwan, William Faulkner, Ernest Hemingway, Primo Levi, Manuel Puig, Doris Lessing, Amós Oz, Paul Auster, Truman Capote, Billy Wilder, tradução de Christian Schrwartz e Sérgio Alcides, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 459 págs. ISBN: 978-85-359-1814-4 [edição original: The Paris Review Interviews (New York), 1956, 1957, 1958, 1964, 1967, 1974, 1988, 1989, 1994, 1995, 1996, 2002, 2003, 2006]
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Um comentário:
Meu amigo. Que primor de crônica, bem humorada, Informações relevantes. Dá vontade de largar tudo e pegar no volume. Obrigado. Aproveito e dou uma sugestão leia ou releia Gógol na tradução da Tatiana Belincki. Primor dos primores. Abraços.
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