Este é um dos melhores livros que li este ano. Bem humorado, repleto de citações (ora eruditas, da literatura e da filosofia, ora da cultura pop, do cinema e da música), algo surpreendente, cheio de reviravoltas e jogos verbais, bons personagens, com temática provocadora mas habilmente cifrado. Claro, este romance não é produto de um neófito, mas sim de um poderoso escritor, Guillermo Cabrera Infante, o mais saudoso cubano de todos os cubanos forçados ao exílio. Cabrera Infante morreu em 2005. Segundo sua viúva, Mirian Goméz, sempre citada por ele, Cabrera Infante trabalhou muito nele em seus últimos anos. O trabalho de fixar o texto partindo dos manuscritos foi complexo. Em 2008 o livro foi lançado na Feria de Madrid, lugar e evento caros ao autor. O livro se passa na Cuba recriada pela memória dele. Ainda segundo Mirian Goméz a memória de Cuba foi das poucas coisas que o terrível duo de patéticos tiranetes de lá não roubou de seu marido. A ação começa vertiginosa em um 16 de junho, um Bloomsday, o de 1957. Não deve ser por acaso, Guillermo entendia de epifanias joyceanas. Em "A ninfa inconstante" um sujeito vê uma moçinha em flor perto do mar caribenho e pronto, se apaixona (e a musa irônica sopra baixinho: luz da minha vida, fogo na minha carne). Se o Humbert Humbert de Nabokov é sombrio e cruel ao perceber-se apaixonado por Lolita, o narrador de Cabrera Infante (Guillermo Cain, seu alter ego, sempre) é apenas sarcástico consigo mesmo, quando seduz (ou é seduzido) e foge (ou flana, brevemente) com Estela, sua nominada ninfa inconstante. Os diálogos são sempre muito bons. A tensão sexual, nada contida, como contam os boleros que ele cantarola pelo livro. Há frases potentes, vertiginosas, que acompanham o leitor quando termina o livro. Como o narrador é jornalista algo do nervosismo e da superficialidade deles vaga pela história. Encontramos boas metáforas e expressões populares, além de referências cinematográficas e literárias. Mas sobressai-se por tudo uma presença grega, como se todas as danações, virtudes e reflexões só pudessem vir mesmo da Grécia, dos conceitos gregos. Nas historias paralelas uma outra ninfa surge. Claro, é Cuba, uma Cuba decadente, do final dos anos 1950, mas anterior ao sombrio terror castrista. Havana é uma cidade serpeante, misteriosa e envolvente, também ela uma sedutora implacável, mas que sabe ouvir lamentos e curar as feridas de amor. Cabrera Infante presenteou a todos com este belo e divertido livro. [início 18/05/2011 - fim 22/05/2011]
"A ninfa inconstante", Guillermo Cabrera Infante, tradução de Eduardo Brandão, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2011), brochura 14x21 cm, 230 págs. ISBN: 978-85-359-1800-7 [edição original: La ninfa inconstante (Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores) Barcelona, 2008]
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