Apesar do título remeter ao Diários de motocicleta, que é um filme de Walter Salles, baseado em um livro de Ernesto Che Guevara (De moto pela América do Sul), este "Diários de bicicleta", de David Byrne, encontrou inspiração em W.G. Sebald (do Anéis de Saturno) e em Caetano Veloso (do Verdade Tropical). "Diários de bicicleta" é um livro de sociologia descompromissada, de crítica social engajada, de filosofia expressa. É um bom livro. Byrne é um adepto do uso da bicicleta como meio de locomoção básico, para uso no dia a dia, tanto para o trabalho durante o dia, quanto para o lazer noturno ou nos finais de semana. É um entusiasta verdadeiro e convincente (um sobrevivente também, claro): usa a bicicleta como meio de transporte há uns trinta anos (que até pouco tempo levava sua bicicleta na bagagem, mesmo nas viagens longas de avião - mas hoje isto quase não é mais necessário, pois é fácil alugar uma em quase toda grande cidade). Mas no fundo sua digna apologia do massivo uso da bicicleta esconde aquilo que de fato percorre todo o livro, que são suas preocupações com os grandes temas do mundo contemporãneo: as relações entre as culturas; os desafios da economia e do fluxo do capital entre as nações; as migrações, fonte de conflitos norte e sul, ocidente e oriente; o papel fundamental da arte. É um livro honesto, com um humor leve, o leitor sendo reiteradamente convidado para acompanhar a reflexão de Byrne, mas sentindo-se a vontade para discordar de suas interpretações (há detalhes que mesmo um observador arguto perde ou entende de forma equivocada). O livro é dividido por cidades, primeiro as pequenas, ainda nos Estados Unidos (Buffalo, Rochester, Valencia, Baltimore, Sweetwater, Columbus, New Orleans, Pittsburgh), depois em algumas mundo afora (Berlin, Istambul, Buenos Aires, Manila, Sydney, Londres) e por fim de volta aos EUA, para as gigantes San Francisco e New York. Para cada uma delas um tema se sobressai: arte e política, música e história, utopia e contracultura. Mas é a apreciação das manifestações artísticas em cada lugar que parece conduzir o texto. Além de ilustrações e fotografias, que dialogam com o texto, Byrne inclui um curto epílogo falando do futuro da locomoção e um bom apêndice com dicas básicas de segurança. Ele se pergunta: porquê os habitantes de algumas cidades adotam o ciclismo e outros não, mesmo quando a geografia e o traçado urbano o facilitariam? Talvez porque "o meme do ciclismo não tenha sido inserido na cultura" (meme é o conceito criado por Richard Dawkins que tem para a memória um papel análogo ao de gene para a genética). Sua filosofia para decidir-se pelo engajamento ou não em alguma causa é boa: "Se a luta for chata, então esqueça". Com "Diários de bicicleta" ele convida o leitor a observar e participar ativamente da vida de sua cidade, de ser um sujeito que se relacione com sua vizinhança. Não há cinismo besta em suas palavras. [início 15/06/2011 - fim 21/06/2011]
"Diários de bicicleta", David Byrne, tradução de Otávio Albuquerque, Anna Lim, Fabiana de Carvalho, Barueri: editora Manole, 1a. edição (2010), capa-dura 14x22 cm, 334 págs. ISBN: 978-85-204-3007-1 [edição original: Bicycle diaries (Viking books) New York, 2009]
3 comentários:
Meu caro Guina.
Estive com esse livro nas mãos lá na Cesma, mas não quis encarar.
Talvez mude de ideia.
Muito bom o blog.
Na mesma linha deste livro, tem um do Cristovam Buarque: "Tigres Assustados"
luiz, obrigado pela presença e pela dica. vou procurar o livro do cristovam.
athos meu velho. a leitura vale a pena.
até logo.
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