quinta-feira, 24 de março de 2016

el caballero ha muerto

Não há livro de Cees Nooteboom que não ofereça algo realmente singular ao leitor. "El caballero ha muerto" é antigo, publicado em 1963. Trata-se de seu segundo romance, após "Philip en de anderen" e antes de "Rituelen". Entre esses três romances há longos intervalos de tempo. "Philip e os outros" é de 1954, quando Nooteboom tinha pouco mais de vinte anos. Só em 1963 (nove anos depois) ele voltaria a dedicar-se ao romance e somente dezessete anos depois deste segundo, em 1980, com quase cinquenta anos, publicaria o terceiro, "Rituais". Claro, ele dedicou-se a outros gêneros literários nestes intervalos, sobretudo poesia e livros de viagens. De 1980 para cá Nooteboom publicou pelo menos outros dez romances. Bueno. O título do livro e os dois primeiros parágrafos já denunciam ao leitor a intenção do narrador: o protagonista do livro, o cavaleiro, o escritor Andre Steenkamp, morrerá inapelavelmente. Quem narra essa morte é um outro sujeito, nunca nominado, amigo de Steenkamp e que se incumbe de terminar o livro que aquele tentava escrever, utilizando-se de notas e rascunhos para fazer o relato de suas últimas semanas de vida. O tema desse livro é justamente a morte de um escritor que quer escrever um livro sobre a morte. Trata-se então de uma alegoria sobre o bloqueio literário de um escritor, do processo a partir do qual um escritor se livra dos compromissos e dos sonhos de uma encarnação prévia, talvez romântica, tosca ou inábil demais para ser carregada nos ombros vida afora. A ambição de escrever um livro leva Steenkamp a sair de sua calvinista e cinza Holanda e partir rumo ao sul, para a Espanha, terra de calor e sol, para uma ilha cercada pelo mar grego, mediterrâneo (o leitor não tem muita dificuldade de localizar em Ibiza os sucessos do livro). Na ilha ele conhece um grupo de expatriados, uma confraria algo hippie de europeus que pouco interagem com os espanhóis do local: um pintor francês, um escritor americano, um beberrão inglês, Cyril, que torna-se seu anfitrião. Steenkamp sente culpa por saber-se um ladrão de histórias, de estar vampirizando tanto os ilhéus quanto seus novos amigos, mas ele não consegue de fato escrever seu livro, pois foge da disciplina e da folha em branco, entorpecido pelo sal e o álcool. Num dia de festas conhece uma conterrânea holandesa, Clara, que namora um rapaz do lugar. Ele até imagina Clara como musa, mas o relacionamento deles é conturbado demais para que sua ideia e tema se transformem num livro. Suas obsessões são a morte, a total incomunicabilidade entre as pessoas, as distâncias que separam os grupamentos humanos nas cidades. Nooteboom cria imagens muito boas (como quando contrasta o efeito dos ventos sobre as plantações sinuosas da Holanda com o frenesi dos peixes na superfície do mar), alterna comentários sobre os mitos pagãos da ilha (e há de fato um antigo santuário púnico em Ibiza, la Cueva d'Es Cuyram) e a culpa cristã, a força do latim e os ritos religiosos que atormentam Steenkamp e o fazem lembrar de seu passado. Nos momentos mais fortes do livro o tom é operístico, dramático, cheio de sonhos ou pesadelos algo controlados. Sua descrição de uma tourada é muito especial. Dá pena terminar um livro assim, principalmente por sabermos que demorará muito para surgir uma outra tradução de seus livros. Paciência. 
[início: 15/03/2016 - fim: 22/03/2016]
"El caballero ha muerto", Cees Nooteboom, tradução de Isabel-Clara Lorda Vidal, Madrid: ediciones Siruela (colección Nuevos Tiempos), 1a. edição (2015), brochura 14,5x21,5 cm., 145 págs., ISBN: 978-84-16465-19-4 [edição original: De ridder is gestorven (Amsterdam: Querido / Singel Uitgeverijen Group) 1963]

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