quarta-feira, 30 de março de 2016

¿por qué prohibieron el circo?

Do argentino Mempo Giardinelli já li cousas bem boas, como a novela "Luna Caliente" e as três séries de contos reunidos em "Luminoso Amarillo", "La noche del tren" e "9 histórias de amor". Ainda em maio do ano passado don Miguel, da porto-alegrense Calle Corrientes, sempre eficiente no garimpo literário e nas negociações fronteiriças, conseguiu-me esse "¿Por qué prohibieron el circo?". Trata-se de um romance típico dos anos de guerra fria, de forte engajamento político, no limite do panfletário, no qual o narrador toma partido num conflito social real e discute literariamente teses marxistas (lembra um bocado os primeiros livros de Jorge Amado e os romances de Sartre reunidos em "Os caminhos da liberdade"). No caso de Giardinelli seu narrador denuncia a forma com que os indígenas da região do Chaco argentino eram explorados, fala da miséria a que estavam condenados, expõe a luta de classes e desigualdade social, discorre sobre a ignorância que inibe a vontade dos homens. O determinismo marxista, a impotência dos homens que acreditam ser incapazes de mudar sua história e a história de seu tempo, contamina todo o livro. Passados quase cinquenta anos esses temas e o tratamento dado a eles identificaria um livro anacrônico, de interesse restrito, uma peça sonolenta. Mas o que surpreende no livro são a multiplicidade de vozes narrativas; as inserções teatrais, dramáticas; o feliz uso do monólogo interior e os diálogos, que mimetizam diferentes estratos sociais da região, através dos quais Giardinelli registra os vários níveis do espanhol falado no norte argentino e no Paraguai, incluindo fusões do espanhol com as línguas guaraní e toba. Na história que se conta um sujeito chamado Toño Oroño chega a Colonia Perdida, uma pequena cidade do Chaco argentino, assumindo as aulas na escola local. Sua chegada perturba o equilíbrio de poder da cidade, onde todos vivem isolados das notícias da capital, como encapsulados no tempo e no espaço. Assim como os demais personagens do livro o leitor só conhece o passado de Toño aos poucos, demora para descobrir do quê ele foge, o quê o perturba, saber das coisas que ele abandonou na capital. Toño não tem nada de heroico, nenhuma vocação para a ação, antes é um cínico desiludido, sempre embriagado pelo álcool e o sexo. Os sucessos e desastres que provoca lhe são indiferentes. Quero registrar ainda a curiosa história editorial desse romance. Mempo Giardinelli escreveu-o ainda jovem, com pouco mais de vinte anos, no início dos anos 1970. Em 1973 inscreveu o livro em um concurso literário cujo corpo de jurados era composto por quatro sujeitos poderosos: Juan Carlos Onetti, Augusto Roa Bastos, Julio Cortázar e Rodolfo Walsh. Quem ganhou o concurso foi outra pessoa (Juan Carlos Martelli), mas Roa Bastos e Walsh destacaram os méritos do romance de Giardinelli. Um editor importante daquela época, Jorge Lafforgue, decidiu publicá-lo, mas com o golpe militar argentino de 1976 toda a edição foi apreendida e incinerada (junto com dezenas de outros títulos considerados subversivos). Em função do golpe Giardinelli foge para o exílio, passa a morar no México. Mesmo considerando que havia evoluído como escritor e era capaz de perceber os defeitos de seu livro de estreia, Giardinelli, no início dos anos 1980, usou a única cópia tipográfica restante da edição argentina original para reescrevê-lo e publicá-lo. Ao sair do México e voltar para a Argentina esqueceu completamente do livro. Passados trinta anos, em 2012, encontrou por acaso um exemplar desta edição mexicana em uma biblioteca pública dos Estados Unidos e um tanto por nostalgia e outro tanto por vaidade decidiu reeditá-lo na Argentina, afinal o livro nunca havia sido comercializado por lá. Retrabalhou o livro (modificou nomes, aperfeiçoou a oralidade, eliminou alusões que haviam perdido o sentido da edição original) e publicou-o novamente. Interessante, mas dá pena reconhecer que muitos brasileiros e latino-americanos ainda acreditam que o marxismo e as ideias socialistas tem algo nobre ou bom para acrescentar à civilização moderna, parecem querer repetir todos os erros do passado, viver como escravos mentais e massa de manobra de tiranetes e ditadores, com uma vocação quase suicida para o desastre (quer dizer, dá pena, mas não muita pena).
[início: 25/03/2016 - fim: 28/03/2016]
"¿Por qué prohibieron el circo?", Mempo Giardinelli, Buenos Aires: Edhasa, 1a. edição (2015), brochura 14x22,5 cm., 208 págs., ISBN: 978-84-628-282-6 [edição original: México: Editorial Oasis (colección El Nido del Ave Roc) 1983]

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