No início de março, quando fiz aniversário, decidi me dar um presente. Escolhi ler algo realmente agradável, incontroverso, uma coisa com a qual poderia me envolver sem risco algum de aborrecimentos, que poderia folhear e ler sem medo ou temor de qualquer incômodo. Lembrei-me de uma das obsessões de Charles Swann e dos dias de alegria com meu bom Proust. Não foi preciso muitas associações para que eu lembrasse deste pequeno livro sobre Vermeer (que Helga trouxe em uma de suas viagens). Carreguei-o displicente, sempre ao alcance das mãos, nestas últimas três semanas. Claro, li outras coisas boas neste período: um Claudio Magris, um Cees Nooteboom, um Haruki Murakami, um Isaiah Berlin e um Mempo Giardinelli, mas esse pequeno volume sobre Vermeer serviu-me sempre como uma fonte de saúde, um real descanso da loucura em que mergulhamos todos neste desgraçado país. Trata-se de um livro de apresentação ligeira, não um estudo exaustivo, definitivo. No livro encontramos reproduções coloridas de todos os trabalhos conhecidos de Vermeer. Encontramos também um longo ensaio sobre o que se sabe de sua vida. De sua sua infância e juventude praticamente nada se sabe além de quem eram seus pais e da data em que foi registrado numa igreja em Delft (sua biografia é muito pouco conhecida quando comparada com a de contemporâneos seus, como Rembrandt ou Frans Hals). O texto é assinado por Michel van Maarseveen, um respeitado historiador da arte e atualmente diretor do Paleis Het Loo, um dos museus nacionais holandeses. Maarseveen descreve Delft como um local periférico no campo da arte e da pintura, mas que alcançou notabilidade na segunda metade do século XVII. Ele fala sobre aspectos técnicos do desenvolvimento artístico de Vermeer, eventuais influências e viagens de aprendizado, da importância da sua pintura. Vermeer pintava lentamente, somente duas ou três telas por ano e deve ter produzido no máximo 50 trabalhos (dos quais restam hoje apenas 31 indubitavelmente identificados como dele, além de outros 4 ou 5 a ele atribuídos). Ele morreu jovem, com 43 anos. O fato da maioria delas ter sido feita por encomenda para comerciantes e políticos de sua cidade fez com que o valor de sua obra só passasse a ser reconhecido no final do século XIX, quando começaram a circular, adquiridas por museus. Sabe-se também que no século XVIII ele foi praticamente esquecido e muitas obras suas haviam sido retocadas com a assinatura de outros pintores, mais famosos. Vermeer não foi exatamente um inovador ou alguém que tenha contribuído com novas técnicas de pintura, mas sim um sujeito cuja habilidade elevou em muito o padrão e a qualidade da arte produzidas em seu tempo (considerando suas notáveis soluções para perspectiva, transparências, luminosidade, equilíbrio e forma). Maarseveen percorre a cidade e localiza em sua arquitetura os pontos de referência utilizados pelo artista, os locais onde viveu, o local de sua tumba e as referências modernas dedicadas a ele. Maarseveem dedica duas longas seções a dois de seus quadros mais famosos: View of Delft e The Little Street, mas fala um tanto sobre cada um deles. Belo livro. Cabe dizer que o melhor site que conheço sobre Vermeer, onde seus quadros podem ser apreciados em detalhe é o The Essential Vermeer. Há de tudo ali. Vale mesmo a pena consultar (o site é mantido por um sujeito genial, Jonathan Janson).
[início: 04/03/2016 - fim: 30/03/2016]
"Vermeer of Delft: 1632 - 1675 / His life and times", Michel van Maarseveen, tradução de M.E. Bennet, Amersfoort/The Netherlands: Bekking & Blitz Uitgevers (Miniaturen Reeks, part 8), 2a. edição (2006), capa-dura 11x16,5 cm., 120 págs., ISBN: 90-6109-574-3 [edição original: Vermeer in Delft (Nederlands) 1996]
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