Em "A gruta de Calipso" Celso Gomes faz uso do mito grego, da história de Calypso, a ninfa do mar que mantém Ulysses por sete anos preso em sua ilha, Ogygia, para contar algo sobre as vicissitudes da vida, do quão enganadora é a ideia de que podemos controlar nossa vida, forjar nosso destino. Jardel, um jovem médico judeu, foge clandestino da Alemanha Nazista em um navio. A primeira terça parte do romance descreve exatamente como Jardel e alguns amigos conseguem a oportunidade de fugir, sobre a ruptura com família, amores e passado que essa fuga implicava. O navio acaba naufragando e Jardel vê-se resgatado em uma vila de pescadores na região de Cabo Frio, no litoral carioca. Logo depois, já recuperado, mesmo ainda mal dominando a língua e os costumes do lugar suas habilidades como médico fazem com que ele auxilie os ilhéus a debelar uma epidemia. Com a entrada do Brasil na guerra, em 1942, Jardel é mantido oficialmente prisioneiro em uma ilha, apesar de ser benquisto pelo comandante daquela região. Os dois terços finais do romance descrevem como Jardel usa sua sabedoria prática para não se aborrecer tanto com as limitações físicas da prisão e a ausência daqueles que ama, sobretudo uma mulher com quem estava comprometido na Alemanha. Ele se envolve com mulheres, participa de um grupo de caçadores de relíquias de navios naufragados, fala sobre literatura e filosofia com um de seus carcereiros, tenta entender algo da sociologia do lugar e das motivações da grande guerra que acontece distante, porém repercute e afeta o cotidiano de todos, também no Brasil. O homem solitário lamenta seu destino, mas é estoico o suficiente para não dar mostras públicas disto. Há uma sabedoria grega no livro, assim como há um bocado de citações literárias, mitológicas, musicais e bíblicas espalhadas por ele. Celso Gomes alcança seduzir o leitor assim como Calypso um dia seduziu Odisseu/Ulysses. Os capítulos finais de "A gruta de Calipso" são como um sonho, uma vertigem, na qual acompanhamos o desfecho dos sucessos de Jardel. Lembrei-me de meu pai, que contava histórias de meu avô, que nunca conheci, José Ildefonso de Paula Severino. Em uma delas ele jactava-se ter cumprido seu dever cívico ao prender um japonês que havia descumprido o toque de recolher noturno ao qual todos os italianos, alemães e japoneses estavam submetidos durante a guerra. As vezes o "prender" da história virava um "esfaquear". Nem meu pai soube exatamente o quanto havia de fantasia e realidade neste ato dele, mas sabendo o quão mercurial ele era, creditava essa e tantas outras histórias como verdadeira. Livro bem interessante esse de Celso Gomes. Mas vamos em frente. Vale!
Registro #1293 (romance #341) [início: 29/03/2018 - fim: 02/04/2018]
"A gruta de Calipso", Celso Gomes, Rio de Janeiro: Editora Macabéa, 1a.
edição (2017), brochura 15x20,5 cm., 284 págs., ISBN: 978-84-66002-09-6
Um comentário:
Olá, fico muito feliz quando alguém gosta das minhas histórias. Sinto que cumpri meu papel nesse mundo.
Abs. Celso Gomes
Postar um comentário