As 92 crônicas de Arturo Pérez-Reverte reunidas neste "Una historia de España" já haviam sido publicadas em jornal, na coluna "Patente de Corso" do XL Semanal. Elas foram produzidas aos poucos, publicadas ao longo de quatro anos, de maio de 2013 a agosto de 2017. Trata-se de "una visión muy personal de la historia de España", um projeto realmente ambicioso, certamente didático, acho que pensado originalmente para que os jovens espanhóis entendam um tanto melhor os fatos mais marcantes de aproximadamente 2000 e tantos anos da história de seu país. Revisadas apenas tipograficamente por ocasião desta edição em livro, as crônicas permitem a alguém que nunca se interessou pela história da Espanha ou que se aborreceu com ela nos bancos escolares, uma experiência realmente potente. Pérez-Reverte é senhor da linguagem jornalística, rápida, objetiva, precisa, substantiva. Ele nunca é hipócrita. Sempre escolhe um lado de qualquer questão espinhosa, sempre oferece ao leitor oportunidades de reflexão. Ele não se poupa de usar palavras fortes, ironias brutais, quase no limite da ofensa, mas as pessoas que ele achincalha ou já morreram há muitos anos ou vivem num justo ostracismo, por conta de seus crimes e atos vis. De fato são palavras duras e brincadeiras que antes facilitam o entendimento de temas que precisariam de parágrafos inteiros para serem bem explicados em tom solene. Pérez-Reverte navega pelos clichês que acostumamos a associar a Espanha e aos espanhóis ("A tierra de la paella, el flamenco y la mala leche"); por mitos históricos, lugares comuns e lendas urbanas ("nuestra siempre apasionante, lamentable y muy hispana historia"); por biografias romantizadas, invenções, personagens de romances e peças de teatro; esclarece temas mistificados por ideias feitas que frequentam tanto mesas de bar quanto gabinetes universitários ("España seria un país estupendo si no estuviera lleno de españoles"). Seu sarcasmo parece encantar até mesmo conservadores ou tradicionalistas, suas ironias devem por certo divertir a juventude apressada. Escritas cronologicamente, as crônicas tornam-se progressivamente mais amargas, mais cínicas, menos esperançosas. "Yo creo que esa pérdida - del control de la educación y la cultura - es irreparable, pues sin ellas somos incapazes de asentar un futuro", ele diz no parágrafo final. Talvez por isso mesmo ele pare de contar sua historia em meados dos anos 1980, quando da consolidação da redemocratização espanhola, da vitória do partido socialista nas eleições de 1982 e da entrada do país no Mercado Comum Europeu, em 1986. Talvez seu estilo jocoso não seja o mais adequado para falar dos dias que correm, de pruridos politicamente corretos. De qualquer forma ele não esgota nenhum assunto. O leitor só corre o risco de achar que fazer história (ou escrever sobre história) é fácil. Enfim, diversão e aprendizagem garantida. Em tempo: Ele incluiu, "a modo de prólogo", quase quarenta epígrafes mordazes, que parecem sintetizar com fúria a psique espanhola, desde autores clássicos gregos e romanos (Estrabón, Tito Lívio, Apiano), passando por Cervantes, Bartolomé de las Casas, Macaulay, Von Humboldt, Voltaire e Napoleão até autores e sujeitos do século XX, como Hitler, Ortega y Gasset, Garcia Lorca, Julián Marías. Impressionante compilação. Vale!
Registro #1398 (crônicas e ensaios #255) [início: 18/04/2019 - fim: 08/05/2019]
"Una historia de España", Arturo Pérez-Reverte, Barcelona: Alfaguara / Penguin Random House Grupo Editorial, 3a. edição (2019), brochura 15,5x24,5 cm., 254 págs., ISBN:
978-84-204-3817-7
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