Carlos Zanón é escritor e roteirista espanhol, autor premiado de romances policiais. Recentemente o poderoso grupo editorial Planeta o convidou para escrever um romance que desse continuidade às aventuras do mítico detetive Carvalho, invenção genial de Manuel Vázquez Montalbán, que morreu em 2003. Quem já leu algum dos livros de Montalbán sabe do tamanho da responsabilidade. Carvalho surge em 1972, ainda sem muitos dos predicados que acostumamos associar a ele, em "Yo maté a Kennedy". É protagonista de pelo menos vinte e cinco romances ou livros de contos de Montalbán, até seu encantamento em "Milênio", de 2004, e algumas reencarnações recompiladas de jornais e publicadas nos "Cuentos negros", de 2011. Zanón opta por imaginar em seu livro um outro Pepe Carvalho, um detetive real cuja expertise foi utilizada por Montalbán na gênese do Carvalho original. Trata-se de uma espécie de jogo: o Carvalho de Montalbán perdeu-se como personagem em "Milênio", após sua volta ao mundo fugindo da Interpol, e o Carvalho de Zanón continua a viver em Barcelona, lembrando episodicamente de como "El escritor", ou seja, Montalbán, usava suas histórias reais nas narrativas ficcionais que publicava. Os sentimentos são ambíguos. Apesar de feliz por não mais ler seu nome associado a um personagem de ficção e precisar dar explicações a gente curiosa, ele sente saudades das conversas que tinha com o homem Montalbán, o jornalista e intelectual dinâmico que era. Enfim, funciona como explicação para essa nova metamorfose do personagem. De qualquer forma "Carvalho: problemas de identidad" demora um pouco para prender o leitor. Estamos no verão de 2017, às vésperas do plebiscito pela separação da Catalunya que tantos desdobramentos já experimentou, e que de certa forma fraturou toda a Espanha (as eleições da semana passada estão aí como exemplo). As obsessões e temas de Montalbán aparecem como em uma pátina ou palimpsesto: os turistas que passeiam pelas Ramblas catalanas, Biscuter e sua ambição gastronômica, a cresecente presença de chineses em sua Barcelona fundamental, a queima ritual de livros, as saudades de Charo, as relações com a comunidade européia, as relações autofágicas entre direita e esquerda, a rivalidade entre Madrid e Barcelona, os contatos com a polícia e o submundo, as receitas, as citações eruditas disfarçadas, o separatismo catalão, as preocupações com o destino político e econômico da Espanha. O Carvalho de Zanón continua sarcástico, amargo, abusando do cinismo, talvez com menos vigor físico e mais problemas de saúde, enredado em relações amorosas confusas e desgastantes. Os crimes que ele investiga são, a exemplo dos romances originais, o que menos importam na narrativa, são peças acessórias que servem para conduzir o ritmo do livro, mas que não são foco de real interesse. Carvalho precisa entender as razões para a morte de uma velha senhora e sua neta ao mesmo tempo que investiga o desaparecimento de uma prostituta em Montjüic. Afinal, o livro funciona como homenagem a Vázquez Montalbán e também funciona como romance policial independente. Vamos a ver se esse projeto terá continuidade, se haverá outros Carvalhos no futuro. Em tempo: Sempre vale a pena atualizar-se nas cousas de Montalbán acompanhando o site Vespito. Vale!
Registro #1390 (romance policial #82) [início: 13/03/2019 - fim: 23/03/2019]
"Carvalho: problemas de identidad", Carlos Zanón, Barcelona: Editorial Planeta, 3a. edição (2019), capa-dura 16x24 cm., 350 págs., ISBN:
978-84-08-20148-9
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