quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

nação crioula

Publicado originalmente em 1997, "Nação crioula" venceu naquele ano o Grande Prêmio de Literatura da Radio e Televisão Portuguesa. José Eduardo Agualusa fez posteriormente algumas correções no texto e o publicou aqui no Brasil, por sua editora, a boa Língua Geral. Neste livro (um movimentado romance epistolar e histórico) Agualusa toma de empréstimo um personagem de Eça de Queirós chamado Fradique Mendes. No livro "Correspondência de Fradique Mendes", de 1900, Eça conta (inventa talvez seja o termo mais apropriado) a vida de Carlos Fradique Mendes, um sujeito que lhe impressionou muito e de quem foi amigo até sua morte, em 1888. Fradique Mendes é inteligente e sofisticado, viajante curioso sobre as relações entre os povos, latinista e refinado conhecedor da literatura de sua época. Eça inclui em seu livro uma série de cartas recebidas e enviadas por Fradique, através das quais o leitor pode ter uma idéia do grande homem que ele era, além de saber das opiniões elevadas que seus contemporâneos portugueses tinham dele. Claro, tudo é inventado, ficcional. Agualusa, por sua vez, acrescenta com seu livro alguns capítulos à biografia literária deste personagem. Ele também usa o artifício das cartas (como se as de seu livro pertencessem a um conjunto que não havia chegado às mãos de Eça, num jogo metaliterário interessante). Agualusa cria episódios de Fradique Mendes na África (sobretudo Angola), no Brasil, em Portugal e na França. Através das cartas ele viaja com o leitor para o mundo cruel da escravidão nas colônias portuguesas, no final do século XIX. Primeiro ele faz Fradique Mendes ir a Luanda, um viajante sem rumo ou propósito definido. Lá conhece Arcénio do Carpo, um rico comerciante e Ana Olímpia, uma jovem viúva (que havia sido escrava de um dos homens mais ricos da Luanda colonial e tornou-se herdeira de seus bens, inclusive seus escravos). Através de seu personagem Agualusa descreve a complexa sociedade escravocata daquela região e seus bizarros personagens. Fradique Mendes se apaixona pela jovem viúva, mas não é correspondido, continua suas viagens, rumo a Portugal e França. Ao voltar a Luanda descobre que Ana Olímpia voltou a ser escrava (de um irmão de seu marido, que havia voltado para Angola após anos exilado no Brasil). O livro ganha ritmo de aventura, com perseguições, assassinatos, fugas mirabolantes. Fradique Mendes e o filho de seu amigo Arcénio do Carpo fogem da África após libertar Ana Olímpia. Se estabelecem no nordeste brasileiro, onde Fradique torna-se um senhor de engenho. Agualusa contrasta o estatuto da escravidão portuguesa nos dois continentes (no Brasil, sua ex-colônia, e na África, àquela época explorada como já se fazia desde o século XVI). Em algum momento Fradique Mendes engaja-se no movimento abolicionista, onde faz amizade com José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e Luiz Gama. Perseguido por pistoleiros ele viaja primeiro ao Rio de Janeiro, depois a Paris e Londres para divulgar o movimento de libertação dos escravos em curso no Brasil, sem saber que havia gerado um filho, brasileiro, com Ana Olímpia. Em uma espécie de coda ao livro, a última das cartas é de Ana Olímpia, endereçada a Eça de Queirós, onde ela dá detalhes da vida de Fradique nos tempos de Angola e no Brasil, justificando o porquê destas coisas terem ficado de fora do livro original de Eça. Bom livro afinal de contas.
[início 27/11/2012 - fim 29/11/2012] 
"Nação crioula: A correspondência secreta de Fradique Mendes", José Eduardo Agualusa, Rio de Janeiro: editora Língua Geral (coleção Ponta de lança), 1a. edição, revista pelo autor (2011), brochura 12x18 cm, 202 págs. ISBN: 978-84-60160-71-6 [edição original: (Lisboa: TV Guia Editora) 1997]

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