sábado, 11 de agosto de 2018

judeus errantes

De Joseph Roth já li bons romances ou novelas ("", "Marcha de Radetzky", "A lenda do santo beberrão", "Hotel Savoy" e "Fuga sin fin") e um espetacular livro de ensaios sobre "Berlin". "Judeus errantes" é um outro livro de ensaios, uma outra pequena maravilha. Joseph Roth viveu entre 1894 e 1939. Nasceu na Áustria e viu o poderoso império Austro-Húngaro fragmentar-se após a primeira grande guerra mundial, na qual voluntariou-se como jornalista, interrompendo seus estudos universitários. "Judeus errantes" é ainda mais impressionante que "Berlin". Foi publicado originalmente em 1927 e descreve as migrações de judeus do leste europeu, expulsos da Rússia e da Polônia após os conflitos decorrentes da Revolução Russa e ascensão do regime comunista. Esses judeus errantes eram os que vagavam rumo a Europa do oeste e também para os Estados Unidos. Não se trata apenas de uma descrição histórica. Roth faz uma sociologia multi fragmentada de um fenômeno que apenas estava se iniciando (ele não viveu para acompanhar a tragédia da segunda guerra mundial). Roth fala do abrigo que os judeus encontravam na periferia das cidades da Europa ocidental, nos guetos que ali se formavam; das dificuldades de seus documentos (quando existiam) serem reconhecidos e validados; das atividades profissionais as quais se dedicavam, do talento inato deles; de seus costumes e hábitos, que chocavam os ocidentais, tanto cristãos quanto protestantes, e também os judeus já estabelecidos nestes novos lugares. Roth chama esses últimos de judeus burgueses, sefarditas orgulhosos de sua raça antiga e nobre. Enfim, ele descreve bem as diferenças entre os judeus de origem askenazi e os de origem sefardita, fala do alvorecer do movimento sionista, daqueles que ele define como judeus proletários (que vivem sobretudo para a religião, mas não se furtam de trabalhar duro), judeus nacionalistas (que querem um estado próprio) e judeus burgueses (aqueles já radicados na Europa ocidental). Ele viajou a União Soviética em 1926 e escreveu uma última e curta sessão do livro, baseada nesta experiência. Apesar de otimista esta é a parte mais terrível do livro. Roth é uma espécie de visionário, antecipa questões que serão discutidas, e até violentamente discutidas, após o fim da segunda grande guerra, como a necessidade da criação de um estado nacional judeu, a importância dos judeus americanos no futuro dos judeus de todo o mundo, o recrudescimento do antissemitismo. O livro é dividido em sessões: uma que trata da definição de quem são os tais judeus errantes; outra que fala de como se organizava originalmente uma cidadezinha de minoria judaica, na Polônia e na Rússia; dos guetos ocidentais em Viena, Berlim e Paris; do status dos judeus que conseguiam emigrar para os Estados Unidos e sobre a situação dos judeus que continuaram na Rússia soviética. Hoje, para um leitor contemporâneo, seu livro parece algo que brota do trabalho de um arqueólogo, tamanha a força e o frescor das análises. O texto é jornalístico (alto lá: jornalismo como era praticado no século passado, não o pastiche idiotizado e medíocre que majoritariamente se encontra hoje em dia nas diferentes mídias). As frases são claras, bem escritas, convincentes. A sociologia é refinada. A editora Âyiné publicou um outro volume de Roth, "Viagem a Rússia", que li quase simultaneamente a este. Em breve o registrarei aqui. Vale! 
Registro #1308 (crônicas e ensaios #229) 
[início 19/07/2018 - fim: 05/08/2018]
"Judeus errantes", Joseph Roth, tradução de Simone Pereira Gonçalves, Belo Horizonte: Editora Âyiné, 1a. edição (2016), brochura 10,5x15 cm., 164 págs., ISBN: 978-85-92649-12-8 [edição original: Juden Auf Wanderschaft (Berlin: Verlag Die Schmiede) 1927]

3 comentários:

Kelvin Falcão Klein disse...

Aguinaldo, que coincidência boa - estou justamente lendo tudo que posso do Joseph Roth, já faz algumas semanas (e tenho escrito sobre ele também).

Aguinaldo Medici Severino disse...

E eu tô com o teu WILCOCK na mira. Dos que li do Roth, Berlin e a Marcha de Radtezki são os 10.

Kelvin Falcão Klein disse...

Que maravilha!
Depois me conta se você gostou do WILCOCK.
abraço