Ler Sebald sempre é um exercício gratificante. Ele alcança oferecer temas à atenção do leitor, compilar informações e produzir conexões entre assuntos diversos que dificilmente conseguiríamos encontrar ou fazer sozinhos. Dele já li vários livros. Este "Campo Santo" é um livro póstumo, editado por Sven Mayer, um jornalista especializado em sua obra. Nele estão reunidos textos de ficção (cinco, bem curtos, que ocupam apenas um quinto do volume) e ensaios relativamente longos que haviam sido preparados para jornais ou revistas acadêmicas e nunca haviam sido compilados em livro (são quatorze textos, o mais antigo de 1996 e o mais recente de 2000). Os textos de ficção pertencem a um projeto antigo que Sebald nunca chegou a concretizar: escrever um livro sobre a Córsega (que talvez explorasse como a Europa imaginada pelo corso mais famoso, Napoleão, poderia ser explicada pela história, tradições e geografia daquele lugar). São textos inspirados, que lembram, claro, o ritmo que encontramos em "Austerlitz" e em "Os anéis de Saturno". Sebald nos leva até o cemitério de Ajaccio (a capital da Córsega) e nos explica que ali apenas estrangeiros eram enterrados, pois cada cidadão sempre preferia dormir para sempre nas terras de sua propriedade, como forma de manter mesmo de dentro delas o domínio de cada família. Os ensaios são bastante variados, mas tratam sobretudo de literatura. Os textos sobre Vladimir Nabokov, Franz Kafka, Günter Grass e Peter Handke são muito bons. Sebald também escreve elegias: à gastronomia (e a pesca em alto mar), a um pintor (Jan Peter Tripp), a um escritor aventureiro (Bruce Chatwin), um poeta (Ernst Herbeck). A destruição das cidades alemãs durante a segunda grande guerra, o luto perene pelas mortes e as abordagens literárias de aproximação a estes temas também aparecem em três textos longos (um dedicado a obra de Peter Weiss; outro a obra de Jean Anéry e um último, de literatura comparada, onde se discute os trabalhos de Hermann Kasack, Hans Nossack e Alexander Kluge). Os três últimos textos são curtos e talvez os mais seminais - e mais próximos a seu estilo puramente ficcional: "Moments musicaux" fala de sua educação musical, sua paixão por óperas e a decisão curiosa de não atender a um concerto (Nabucco, de Verdi) por conta de uma fobia repentina - o medo da chuva; "Un intento de restitución" fala de suas memórias de juventude, principalmente de imagens das cidades alemãs que ele não conhecia (e que estavam totalmente destruídas, apesar das imagens louvarem nelas mil maravilhas); o último texto é um curto discurso de agradecimento pelo ingresso na Academia Alemã de Língua e Poesia (que ele associa como uma espécie de legitimação de sua cidadania alemã - já que ele havia saído da Alemanha ainda jovem, estudado na Suiça, e morava há muitos anos na Inglaterra, onde lecionava). Não é exatamente o melhor livro para começar a conhecer a obra de Sebald, mas certamente fará a alegria daqueles que já se renderam às maravilhas de sua prosa. Devemos agradecer sim ao Sven Mayer por ter preparado essa bela edição. Danke schön, Herr Mayer!
[início: 23/07/2014 - fim: 01/09/2014]
"Campo Santo", W.G. Sebald, edição de Sven Mayer, tradução de Miguel Sáenz, Barcelona: Editorial Anagrama, 1a. edição (2007), brochura 13,5x20,5 cm., 250 págs., ISBN: 978-85-339-7377-1 [edição original: Campo Santo (München: Carl Hanser Verlag) 2003]
Nenhum comentário:
Postar um comentário