Conheci o Abrão Aspis há muitos anos, numa feira do livro de Porto Alegre, vibrante, cortês, contando causos, encantado com os livros como um menino. Na edição do ano passado lá estava ele lançando um livro, este "O sequestro do figurão". Tive a sorte de poder cumprimentá-lo e comprar um exemplar (que óbvio, ficou perdido em meus guardados, esperando horas mais tranquilas para ser apreciado). Aspis parece ser um entusiasta daquela máxima atribuída ao músico e humorista americano Steve Allen: "Comedy is tragedy plus time", ou seja, algo cômico foi originalmente uma tragédia ao qual tempo foi acrescentado. Em "O sequestro do figurão" Aspis conta uma divertida história sobre um sequestro de um banqueiro corrupto, financiador de campanhas eleitorais da presidência da república, na Brasília dos anos 1990. Um grupo de estudantes universitários resolve denunciar os casos de corrupção sequestrando o banqueiro, forçando-o a confessar seus crimes e os nomes de seus sócios/comparsas. A história se deixa narrar rapidamente, quase num fôlego só. Além dos estudantes e do banqueiro o leitor é apresentado a um policial ambicioso (que trabalha na polícia federal mas é um melômano inveterado) e a diversos políticos brasilienses (inventados, claro, mas tão sabujos e venais como os reais, com os quais convivemos cá no mundo real, ai de nós, brasileiros). Na história o sexo tem um papel central: nada de moralismos bestas nas descrições de Aspis. A trama se desenvolve com algumas reviravoltas que um leitor atento até poderia imaginar, mas são mesmo inventivas e verossímeis. Num país tão patético e miserável como o Brasil, onde a grande maioria da população parece se orgulhar de ser roubada e/ou enganada, livros assim lembram ao leitor que o indivíduo roubado que consegue sorrir sempre roubará alguma coisa do ladrão. Ler "O sequestro do figurão" vale mais que as muitas horas de horário eleitoral "gratuito" a que somos condenados nestes dias de inverno (e explica melhor o Brasil que muita da sociologia tosca que se vende por aí). Vale. Em tempo: Com esse livro Abrão recebeu o segundo lugar no concurso Raquel de Queiroz da União Brasileira de Escritores de 2005 (não é pouco). Parabéns don Aspis, parabéns.
[início: 03/09/2014 - fim: 04/09/2014]
"O sequestro do figurão", Abrão Aspis, Gravatal/RS: Academia Gravatalense de Letras, 1a. edição (2013), brochura 16x23 cm., 147 págs., ISBN: 978-85-60465-02-6
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